Dispositivos como os smartphones se tornaram cada vez mais integrados à vida da maioria das pessoas. São diversas funcionalidades que auxiliam na realização de tarefas do dia a dia, na comunicação e na organização, por exemplo. Segundo o Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação (Cetic.br), 58% da população brasileira acessava à internet exclusivamente por meio do celular em 2019.
A combinação entre internet e mobilidade gerou um novo contexto comunicativo, que pode ser batizado como “A era dos smartphones”, segundo Amanda Borges Fortes, mestre em Psicologia, e Carolina Lisboa, professora da Escola de Ciências da Saúde e da Vida. Uma recente pesquisa realizada por Amanda, sob a orientação de Carolina, mostrou que o bem-estar e a regulação emocional podem estar relacionados com a utilização de smartphones de forma controlada.
Porém, a literatura especializada também aponta prejuízos à saúde mental causados pelo uso excessivo do celular, além de impactar no cotidiano, ao tirar o tempo para outras atividades, afetar os relacionamentos, aumentar a ansiedade e o estresse, provocar insônia, etc. Mesmo assim, Amanda destaca que a maior influência vem da parte emocional das pessoas:
“Não necessariamente o tempo que as pessoas ficam utilizando os celulares é prejudicial para a saúde mental, mas sim os diferentes tipos de uso”.
Para auxiliar que as pessoas saibam como utilizar os dispositivos de forma apropriada, aumentando a sensação de felicidade, a socialização e evitando danos à saúde, as pesquisadoras prepararam algumas orientações úteis sobre o que a ciência diz à respeito do tema. E uma boa notícia: não há contraindicações, pode ler pelo celular!
O impacto que os smartphones causam na saúde mental vai depender do tipo de uso. O problema aqui não é somente “o quanto” se usa, mas sim “para quê” (motivação). O dispositivo pode ser usado de forma a promover a qualidade de vida e a saúde, por exemplo para auxiliar no controle de hábitos, como no incentivo à prática de atividades físicas e técnicas de relaxamento.
O ideal é não recorrer aos celulares a qualquer instante: “Precisamos entender que o momento em que usamos o smartphones também vai representar um uso saudável ou não”, explica Amanda. Por exemplo, em um almoço em família, em que todos estão reunidos à mesa, não é adequado usar o celular para fins de trabalho ou até mesmo para se conectar com algum amigo que está longe.
“Devemos sempre nos remeter a um famoso paradoxo referente às pessoas estarem fisicamente presentes, mas ausentes devido ao uso dos smartphones”, relembra Carolina. Para um uso saudável, cuide também o momento em que irá usar os smartphones. O tempo de uso pode ser um dos maiores fatores de risco e precisa de ainda mais atenção no momento em que muitas pessoas estão trabalhando e estudando a distância.
“Qual seria o tempo adequado? Não sabemos. Mas as pessoas podem se questionar quanto tempo estão dedicando a cada uma das suas atividades de sua vida e, se esse comparativo não for equilibrado, temos um problema”, reforça Amanda.
Se uso do celular for necessário, como muitas vezes a presença das pessoas é exigida, compartilhe o uso que irá fazer. “Me desculpem, vou precisar atender esta ligação”, “olhem que legal esse vídeo que eu assisti”, ou “estou apenas combinando isso com o meu colega, em seguida largarei o celular”. Dependendo do contexto e do momento, é interessante que você possa falar sobre o uso que está fazendo para que a pessoa que está com você não se sinta ignorada ou desrespeitada.
Isso acontece quando não se tem um objetivo evidente e específico para usar o smartphone, percebendo certa perda de controle com relação a essa tecnologia. É o chamado uso “passivo”. Dessa forma, acaba não se percebendo a passagem do tempo e coisas importantes são deixadas de lado (seja conversar com sua família, trabalhar, estudar ou até mesmo dormir e descansar).
Geralmente, o uso automático é acionado para driblar alguma emoção negativa (tédio, tristeza, frustração) ou até mesmo alguma situação difícil (solidão, desconforto em conversas difíceis, etc). A maneira como as pessoas lidam com as suas emoções pode influenciar na forma de usar a tecnologia.
Antes de pegar o seu smartphone, faça-se três perguntas: “por quê?”, “para quê?” e “precisa ser agora?”. Ao responder, certamente as funcionalidades disponíveis serão aproveitadas de formas melhores.
Portanto, o desafio é fazer um uso controlado da tecnologia, já que os smartphones estarão cada vez mais presentes no dia a dia da população. Aceitar isso e entender quais as formas de usá-los sem ter prejuízos é uma tarefa fundamental dos dias atuais. “A tecnologia deve ser usada ao nosso favor. A gente no controle e não com as tecnologias nos controlando”, pontua Carolina.
Ambas as pesquisadoras integram o Grupo de Pesquisa Relações Interpessoais e Violência – Contextos Clínicos, Sociais, Educativos e Virtuais (Rivi), onde o estudo foi desenvolvido.
Bem-estar e a regulação emocional podem estar relacionados com a utilização de smartphones de forma controlada. É o que mostra o trabalho inédito da mestranda Amanda Borges Fortes, do Programa de Pós Graduação em Psicologia da PUCRS. “Quanto tempo as pessoas ficam usando os aparelhos não necessariamente é prejudicial para a saúde mental, mas sim os diferentes tipos de uso”, explica.
Amanda conta que a ideia de pesquisar sobre o assunto veio da sua participação no grupo de estudos Relações interpessoais e violência: contextos clínicos, sociais, educativos e virtuais (Rivi), coordenado pela sua orientadora, a professora e pesquisadora do curso de Psicologia, Carolina Lisboa. “Geralmente os artigos publicados na área têm um viés negativo sobre o uso dos smartphones. A mídia acaba por reproduzir esse discurso e demonizam os aparelhos. A realidade é que a maioria de nós precisa deles no cotidiano”, destaca a mestranda.
Para Carolina, o discurso de que “hoje em dia as pessoas não se relacionam mais” ou “todo mundo se expõe em excesso”, não é sempre verdadeiro. “É bom que as pessoas tenham a liberdade de usar seus celulares e a Amanda teve ética e dedicação para demonstrar isso”, conta. A orientadora reforça que o modelo teórico construído não diz que o uso do smartphone e das tecnologias é inofensivo, mas que, ao analisar o contexto, a maior influência vem da parte emocional das pessoas.
O fácil acesso aos smartphones são alguns dos fatores que influenciam esse fator. No Brasil, são mais de 230 milhões de aparelhos em uso, mais de um por habitante, segundo a pesquisa divulgada pela Fundação Getúlio Vargas de São Paulo (FGV), no início de 2019. No mesmo ano, o País chegaria a ter 420 milhões de dispositivos ativos.
Recentemente alguns sistemas operacionais disponibilizaram uma função que permitem aos usuários monitorarem quanto tempo eles mexem no celular. Amanda conta que aquelas pessoas que não tinham utilizado a ferramenta ainda, ao estimarem o quanto utilizavam o celular, colocavam menos tempo do que elas realmente praticavam. “Elas se surpreendiam quando olhavam os dados verdadeiros, o que mostra como a percepção é falha”, acrescenta.
“A verdade é que não existe um viés positivo e um negativo, existe o uso consciente e com cuidado”, diz Amanda. Especialista em terapias cognitivo-comportamentais, ela conta que recebe relatos frequentes em seu consultório sobre a utilização excessiva da tecnologia ou pelos motivos errados. “Quase todos descrevem que se sentem mal ao verem muitas publicações felizes nas redes sociais, como se todo mundo fosse assim o tempo inteiro”.
Os tipos de uso considerados prejudiciais são aqueles em que passa o tempo e a pessoa além de não perceber, também deixa de fazer coisas importantes. É preciso ter cuidado para que o uso não seja uma forma de lidar com emoções negativas.
Hoje o celular nos oferece diversas funções, inclusive trabalhar. “É um recurso que ajuda muito, mas mesmo assim é necessário saber diferenciar quando é um momento de trabalho e quando não é. Se não, o indivíduo pode desenvolver hábitos disfuncionais para a sua vida, porque não se pode ficar trabalhando 24 horas, todos os dias” explica Amanda.
Segundo ela, a grande sacada é fazer um uso controlado. Para seus pacientes ela orienta sempre que se façam três perguntas: “por quê?”, “para quê?” e “precisa ser agora?” antes de utilizarem o celular.