acumuladores de animais

Acumulação causa problemas para proporcionar condições básicas para a saúde dos animais / Foto: Pexels

O Transtorno de Acumulação de Animais recentemente passou a ser estudado e classificado como doença pela Medicina. O distúrbio é definido quando existe a acumulação de muitos animais e a falha em proporcionar padrões mínimos de nutrição, saneamento e cuidados veterinários. Os ditos acumuladores de animais também não conseguem agir em condições deteriorantes como doenças, fome ou morte e em condições do ambiente, como superpopulação, ou situações extremamente insalubres.

A decana e professora da Escola de Ciências da Saúde e da Vida e do Programa de Pós-Graduação em Psicologia Tatiana Irigaray explica que novas pesquisas sobre o assunto estão sendo desenvolvidas para entender as causas do Transtorno. “Caracteriza-se por dificuldades persistentes do indivíduo em doar ou se desfazer de animais, em consequência de uma forte percepção da necessidade de conservá-los e de sofrimento associado ao seu descarte”, comenta.

Perfil dos acumuladores de animais

O grupo de pesquisa Avaliação, Reabilitação e Interação Homem-Animal (ARIHA), coordenado pela professora, realizou revisão sistemática do perfil dos acumuladores. Os resultados apresentaram que, em maior proporção, 90% eram do sexo feminino e acumulavam, em média, mais de 30 animais. Nestes casos, também foi possível levantar que as condições das habitações eram insalubres, e os animais mais acumulados eram cães e gatos.

“Concluiu-se que devido à carência de estudos empíricos sobre a temática, pesquisas necessitam ser realizadas para construir estratégias de intervenções para sanar o grande sofrimento que o transtorno produz para a pessoa, para sua família e para os animais”, destaca Irigaray.

Vínculo afetivo

Tatiana Irigaray

Professora Tatiana Irigaray coordena o grupo de pesquisa Avaliação, Reabilitação e Interação Homem-Animal (ARIHA) / Foto: Arquivo pessoal

Outro estudo empírico conduzido pelo mesmo grupo buscou investigar as características de uma amostra composta por 33 indivíduos que acumulavam animais. Os participantes apresentaram em média 61 anos de idade e 9,39 anos de escolaridade, o equivalente ao ensino fundamental completo. Os resultados deste estudo encontraram maior prevalência de mulheres (73%) e idosos (64%) na amostra, como apresentado em estudos anteriores.

A média por acumulador foi de aproximadamente 41 animais e apenas 22% dos participantes mantinha todos os seus animais castrados. O tempo de acumulação dos animais foi, em média, 23,09 anos e o número total de animais acumulados foi de 1.357, sendo 915 cães, 382 gatos e 50 patos. 56,7% dos participantes também acumulavam outros objetos.

Com essa pesquisa, o grupo realizou a proposição de que o Transtorno de Acumulação de Animais é uma nova categoria nosológica (classificação científica de doenças), com características distintas do Transtorno de Acumulação. Foi apontado que, ao contrário dos objetos acumulados, os animais são seres vivos, por isso, não obstruem os ambientes domiciliares, como na acumulação de objetos. Além disso, os processos de descartar ou doar animais também se diferenciam dos processos de descarte do acúmulo de objetos, visto que existe um vínculo afetivo e vidas.

Novas pesquisas avançam no assunto para buscar entender quais são as melhores estratégias de intervenção para cada caso. “Ainda não sabemos como tratar os indivíduos acumuladores. Vimos que a retirada dos animais não resolve, pois em pouco tempo a pessoa volta a acumular. Com os avanços das pesquisas poderemos propor melhores formas de agir”, comenta Irigaray.

Atuação do ARIHA

O grupo de pesquisa ARIHA, sob a coordenação de Tatiana Quarti Irigaray, tem como objetivo desenvolver atividades de ensino, pesquisa e extensão nos quais aborda diferentes temas relacionados à avaliação e reabilitação psicológica, envelhecimento, saúde mental, aspectos da interação humano-animal e o uso de animais em terapia. O objetivo principal é desenvolver estratégias de avaliação e intervenção que possibilitem ações preventivas e de tratamento.

Acumuladores de animais de Porto Alegre

Foto: Luciano Pandolfo Cardoso/Seda

O grupo de pesquisa Avaliação, Reabilitação e Interação Humano-Animal da PUCRS, coordenado pela professora Tatiana Quarti Irigaray, do curso de Psicologia, divulgou recentemente os dados preliminares de um estudo inédito que mapeia os acumuladores de animais em Porto Alegre. O trabalho é realizado em parceria com o Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul (MPRS) e a Secretaria Especial dos Direitos Animais de Porto Alegre (Seda). O objetivo principal é criar um protocolo de identificação, tratamento, prevenção e intervenção para o transtorno de acumulação de animais, que auxilie os pacientes, os promotores e profissionais da área. Após o lançamento da última edição do Manual Diagnóstico e Estatístico dos Transtornos Mentais (DSM-5) pela Associação Americana de Psiquiatria, em 2013, esse transtorno passou a ter uma categoria própria – antes, era apenas um sintoma do Transtorno Obsessivo-Compulsivo (TOC) e, agora, é considerado uma manifestação especial do Transtorno de Acumulação. Poucas publicações científicas sobre o tema dificultam uma compreensão mais aprofundada do quadro.

Entre agosto de 2015 e maio de 2016 foram visitadas 64 residências de possíveis acumuladores em Porto Alegre. 48 pessoas receberam a equipe, mas somente 38 aceitaram participar da coleta de dados, que incluiu entrevistas sobre o número e as espécies de animais nos locais; castração; tempo de recolhimento do último animal; o maior número de animais que a pessoa já teve; o período da vida em que a pessoa começou a recolher e o que a levou a começar. Além disso, os participantes respondiam a testes para avaliação cognitiva, de personalidade e psicopatologia.

Os dados surpreendem. Há uma média de 36 animais por casa, em um total de 1.379 animais entre cães, gatos, patos e pombos. “Esse número é auto relatado pelos participantes. Nas coletas, verifica-se que o número de animais era maior do que o relato. Provavelmente, existam mais de 1.500 animais nessa pequena amostra, vivendo em situações precárias”, explica Tatiana. Vinte e oito acumuladores são mulheres, sendo 19 com mais de 60 anos, e 10 homens, cinco deles com mais de 60 anos. 75% dos entrevistados recebem menos de dois salários mínimos. Apenas sete afirmaram ter todos os animais castrados, e 26 recolheram animais no último ano. “Há um caso de um senhor que chegou a ter 170 cachorros e gatos em sua casa. Em fevereiro de 2015 esses bichinhos foram recolhidos pela Seda, mas já em setembro ele tinha novamente 20. Atualmente, ele já está com mais de 80 animais” conta a pesquisadora.

Devido à dificuldade de acesso às casas, as entrevistas foram realizadas dentro de vans disponibilizadas pelo Ministério Público, com a participação de psicólogos, sendo dois bolsistas de pós-graduação, e dois alunos de graduação em Psicologia da PUCRS. As visitas às casas eram realizadas em parceria com a Seda. Assim, enquanto os participantes respondiam à entrevista, os animais eram examinados e tratados por um veterinário e um fiscal da secretaria.

 

Tipos de acumuladores

Acumuladores de animais de Porto Alegre

Foto: Luciano Pandolfo Cardoso/Seda

A partir dos dados coletados, pode-se inferir que há três subtipos de acumuladores. O Salvador/Missionário, que acredita precisar salvar os animais, e por isso os recolhe em excesso, porém tem dificuldade em reconhecer as más condições gerais dos bichinhos; o Sobrecarregado/Desorganizado, que perde o controle em relação a reprodução dos animais, reconhece o problema, mas ainda assim tem dificuldade em doá-los; e o Perverso, que os têm para ganhos secundários, como benefícios de instituições governamentais e não governamentais, ou da comunidade. Frequentemente, esse tipo de acumulador atrai os animais construindo abrigos, deixando água e comida em frente a sua moradia. Pode também ter histórico de furto de animais, e demonstra pouca ou nenhuma empatia e apego aos bichinhos.

Sessenta por cento dos participantes apresentaram ainda sintomas de ansiedade, depressão, problemas de memória, pânico e TOC nos últimos meses. A acumulação de animais causa também isolamento, diminuição da rede social, dificuldades de planejamento e organização. “Não há padrões mínimos de nutrição, saneamento e cuidados veterinários nas residências, e eles não conseguem agir quando são constatadas as más condições. Apesar de todas as evidências, a maioria dos acumuladores acredita e afirma que seus animais estão sendo bem cuidados”, explica Tatiana. Há outras características, ainda, como alterações e perturbações em atividades diárias como sono, alimentação e higiene. “Muitos relatam acordar diversas vezes a noite para separar brigas”, conta.

 

Aumento da população

Desde 2011, a Seda já castrou em torno de 25 mil animais em Porto Alegre. No entanto, a pesquisa verificou que em 31 casas os animais não são castrados, pois o acumulador não permite que o animal seja levado para a realização do procedimento, o que representa um número de 1.116 mil. “A partir de uma estimativa conservadora, considerando que 558 não estejam castrados, e que 279 sejam fêmeas, e tenham 1,5 cios por ano, são gerados seis filhotes por animal em cada cio. A população aumentaria em 2.500 mil filhotes por ano”, explica Tatiana. Em fevereiro de 2016, a Seda mantinha em abrigo 164 cães. Cada cachorro custa, por dia, R$ 11,53, totalizando no ano R$ 4.196,92 por cão. Em cinco anos cada cão tem o custo total de R$ 20.984,60. Em cinco anos, 164 cães custariam R$ 3.441.474,40. “Assim, intervir no transtorno de acumulação de animais é um problema de saúde pública”, alerta a pesquisadora.