Cultura

PUCRS preserva a memória coletiva através de iniciativas culturais  

Conservar e dar acesso a documentos e artefatos históricos é importante para a sociedade compreender o passado e projetar o futuro

terça-feira, 30 de julho | 2024

Em 2023, Martinho da Vila foi homenageado com o Mérito Cultural na PUCRS. / Foto: Giordano Toldo

“Aqueles que não podem lembrar o passado estão condenados a repeti-lo.” A afirmação é de George Santayana, um filósofo, poeta e ensaísta espanhol, e está registrada em A Vida da Razão, livro publicado em 1905. Em outras palavras, compreender o que aconteceu no passado é crucial para saber como agir no presente e projetar o futuro. Por essas e outras razões é que a preservação da memória em nível coletivo é tão importante.   

“Da mesma forma que lidamos com a memória individual, que engloba experiências da trajetória de vida de uma pessoa, também a sociedade precisa preservar sua memória para construir uma identidade coletiva”, diz Charles Monteiro, professor da Escola de Humanidades da PUCRS e autor do livro Porto Alegre e suas escritas: história e memórias da cidade (ediPUCRS, 2006). Na prática, isso significa resguardar e cuidar de documentos antigos, claro. Mas também disponibilizar esses materiais às gerações atuais e futuras.  

A questão é: quais são as narrativas válidas para análise e interpretação dos fatos passados que envolvem uma coletividade? E ainda: de que maneira o confronto de diferentes narrativas organiza uma identidade coletiva, influenciando, de uma forma ou de outra, a trajetória presente e futura da sociedade? São indagações que transpassam o dia a dia do historiador, profissional encarregado de elaborar a memória coletiva a partir de pesquisas em documentos, monumentos e publicações na imprensa, entre outros arquivos.  

Segundo Monteiro, um ponto-chave a considerar é que, antes de tudo, a construção da memória é um processo de seleção entre várias possibilidades, pois não existe apenas uma versão dos fatos. Daí o “confronto” de narrativas. (Cabe lembrar que, em determinados momentos históricos, muitos grupos sociais foram silenciados; portanto, sua versão dos fatos é desconhecida.)  

É preciso estimular as pessoas a refletirem a respeito do que é “memória oficial”. Ou seja, a interpretação mais bem aceita e difundida dos fatos do passado, que acaba por se consolidar ao longo do tempo.  

“Quanto mais rica e diversificada a nossa história, maiores serão as possibilidades de diferentes grupos sociais, de gênero ou etnia se reconhecerem nela”, diz o professor.  

Esse tipo de debate, inclusive quando promovido em espaço público, ajuda a combater posturas radicais e atitudes de violência e preconceito.  

Novos significados 

A identidade coletiva é justamente o que diferencia os gaúchos dos paulistas, cariocas ou baianos. Ao compor essa identidade, porém, existe uma tendência de privilegiar a narrativa que abrange determinados aspectos. É o caso da conquista do campo, destacando a memória das famílias que se desenvolveram a partir da agricultura – e depois através do comércio e da indústria – e que também formaram as principais lideranças políticas do Rio Grande do Sul.  

Para o professor da Escola de Humanidades da PUCRS, essa narrativa se sobrepõe a algumas identidades – como a dos povos originários que ocuparam o território gaúcho (e brasileiro) antes da colonização portuguesa. Ela também é seletiva em relação a outros temas, como a dos negros escravizados.  

Há casos em que a construção da memória inclui novos significados, de modo a inverter até mesmo o sentido original do acontecimento histórico. Para confirmar isso, basta retroceder à Revolução Farroupilha, ocorrida entre 1835 e 1845, quando parte da população gaúcha se rebelou contra o Império. De alguma forma, a sociedade fez da derrota dos farrapos um modelo de heroísmo, que compôs os traços de uma identidade coletiva. Com isso, o insucesso nos campos de batalha se transformou, paradoxalmente, em marca identitária dos gaúchos.  

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Dever da memória 

Em abril de 2023, a cantora Adriana Calcanhotto realizou seu show em homenagem a Gal Costa no Salão de Atos da PUCRS. / Foto: Giordano Toldo

A construção da memória também sofre os impactos da evolução tecnológica. Um dos pontos positivos é que a tecnologia amplia o acesso a informações e dados históricos. Isso se dá, por exemplo, através da digitalização de documentos e da construção de mapas interativos. Ademais, os dispositivos tecnológicos permitem o uso de linguagens mais lúdicas e atrativas, especialmente às novas gerações. É o caso de exposições virtuais, jogos online, podcasts e filmes. Só que o professor Charles Monteiro, da PUCRS, adverte:  

“O avanço tecnológico também diminui o que chamamos de ‘dever da memória’”. Ele diz que, com a facilidade de acesso às informações, armazenadas em nuvens ou dispositivos tecnológicos, as pessoas simplesmente estão deixando de sentir necessidade de lembrar e memorizar o passado.  

Para compreender melhor, talvez valesse adicionar uma perspectiva cognitiva e neurobiológica. Há exemplos bastante práticos nesse sentido. Até pouco tempo atrás, a maior parte das pessoas decorava os contatos telefônicos mais próximos, como os de familiares e amigos. Hoje, a maioria simplesmente não consegue lembrar desses contatos sem checar o celular. “O que fazemos, então, é confiar nossa memória à tecnologia”, diz Cristiane Furini, coordenadora do Laboratório de Cognição e Neurobiologia da Memória da PUCRS (antigo Centro de Memória do Instituto do Cérebro do RS, o InsCer). Ela acrescenta:  

“Se é verdade que o acesso imediato e instantâneo às informações libera espaços em nosso cérebro para o armazenamento da memória, talvez seja o caso também de questionarmos se estamos fazendo bom uso do nosso tempo livre”. As ponderações são instigantes – e é melhor lembrarmos delas.  

Delfos: tesouro histórico aberto ao público 

Em tempos de lembranças voláteis, museus e outros ambientes de preservação da memória exercem uma função extremamente relevante: não apenas armazenam as informações referentes ao passado, mas também ajudam a processá-las e contextualizá-las. É o que faz o Delfos – Espaço de Documentação e Memória Cultural da PUCRS, que abriga a memória histórica, literária e cultural da sociedade gaúcha.  

“O espaço é amplamente divulgado como um lugar para pesquisas, tanto acadêmicas quanto particulares”, explica Daniela Schestatsky Christ, bibliotecária responsável pelo Delfos.  

Por lá, é possível encontrar documentos referentes às áreas de Letras, Artes, Jornalismo, Cinema, História e Arquitetura. O local armazena itens clássicos e raridades, como originais de livros, correspondências entre autores, fotografias, documentos pessoais, livros com anotações particulares, plantas de arquitetura, jornais antigos e documentos a respeito da imigração alemã no Rio Grande do Sul, entre outros. O Delfos está aberto para consulta de segunda a sexta-feira, das 10h30min às 19h. 

Mérito Cultural homenageia cantor Martinho da Vila  

O cantor e compositor carioca Martinho da Vila recebeu, em 2023, o reconhecimento Mérito Cultural PUCRS. O artista foi homenageado por dar vida ao drama, à luta e à resistência do povo negro contra o racismo e as injustiças sociais. Em sua obra, Martinho aborda questões como negritude, conflitos da vida na favela e rodas de capoeira.  

“Receber uma homenagem como esta, desta Universidade conceituada, me sensibiliza de uma maneira especial”, afirmou.  

Na mesma noite, o cantor inaugurou a Galeria Mérito Cultural, reservada para destacar os artistas reconhecidos com a honraria. A homenagem é atribuída a personalidades do meio artístico que tenham uma trajetória marcada pela defesa da cultura e da educação.  

Relembre as apresentações no Salão de Atos da PUCRS 

O Salão de Atos Irmão Norberto Rauch é o icônico espaço cultural da PUCRS que recebe grandes nomes da cena artística. É o caso da atriz Denise Fraga, que em fevereiro de 2023 protagonizou o espetáculo Eu de Você. Em abril, a cantora Adriana Calcanhotto realizou seu show em homenagem a Gal Costa. Já o israelense Yaron Kohlberg e o palestino Bishara Haroni, que formam o Amal Piano Duo, apresentaram-se em setembro. No mês seguinte, foi a vez de Vitor Ramil – e Martinho da Vila subiu ao palco do Salão de Atos em novembro. Vale lembrar que outros espaços da casa também recebem eventos culturais. A cantora Andréa Cavalheiro, por exemplo, se apresentou em setembro no Auditório do InsCer, no prédio 63 da PUCRS.  

*Texto originalmente publicado na edição 194 da Revista da PUCRS, lançada no mês de março de 2024. A produção foi cocriada com a República Conteúdo e a edição completa está disponível para download neste link.      

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