Celebrado no 24 de abril, o Dia Internacional do Multilateralismo e da Diplomacia para Paz foi oficialmente aprovado por meio de uma resolução da Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU). Na ocasião, o Secretário-Geral da ONU, António Guterres, defendeu que questões como as mudanças climáticas, tensões geopolíticas, e crises humanitárias e migratórias são temas globais transversais, que exigem atenção e ação coletiva. Por isso, a data foi criada com o objetivo de preservar os valores do multilateralismo (termo que se refere a vários países trabalhando em conjunto sobre um determinado tema) e da cooperação internacional, que sustentam a Carta da ONU e a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável.
A coordenadora do curso de Relações Internacionais e pesquisadora da Escola de Humanidades, Teresa Cristina Marques, explica que o multilateralismo pode ser entendido enquanto a coordenação política de três ou mais Estados. A docente dedica sua trajetória acadêmica com estudos sobre militância, ativismo transnacional, migrações, transições políticas e política comparada.
De acordo com Marques, foi com a ordem liberal estabelecida por meio da construção de instituições e burocracias internacionais, tais como a ONU após a Segunda Guerra Mundial, que a linguagem normativa de reciprocidade e participação que marca o multilateralismo passou a ter mais peso nas relações internacionais. A pesquisadora comenta que esse peso se concentra na função destinada a tais burocracias de promover a paz por meio da promoção do diálogo diplomático entre os Estados.
A docente pontua que a ONU não é uma organização que está acima da soberania dos países, pois ela atua como um organismo e uma burocracia internacional, que conta com cinco membros permanentes como direito a veto, além de membros rotativos que tem direito a voto. Ao mesmo tempo, se tornam cada vez mais frequentes os ataques dos próprios Estados à ONU e ao multilateralismo como um todo. Sendo assim, fica em risco o processo de construção de uma linguagem comum que prepare o caminho para a paz.
Marques conta que o fortalecimento dessa linguagem normativa se acentuou com o fim da Guerra Fria, mas que atualmente vive uma crise. “As dificuldades da ONU em exercer a sua função de promover diálogo ficou evidenciado em casos como as guerras em Kosovo e Ruanda, contribuiu para colocar o multilateralismo em crise”, complementa.
Nesse cenário, as Organizações Internacionais Não Governamentais (OINGs) se tornam fundamentais na promoção e defesa dos Direitos Humanos a partir de múltiplos papéis. Para isso, a professora Marques destaca funções que as OINGs exercem com ações distintas que variam desde as denúncias das violações, às ações educacionais e campanhas de conscientização, passando pela pressão e diálogo com Estados, elas buscam ampliar o conhecimento sobre os Direitos Humanos.
“Com isso, elas foram fundamentais para acontecer uma expansão global da linguagem dos Direitos Humanos, através da conscientização das vítimas sobre os seus Direitos e atuação constantemente na formação de uma nova geração de promotores de Direitos Humanos”, explica.
A segunda função destacada pela pesquisadora é a de “empreendedor normativo”, isto é, as ações voltadas para a alteração de leis e construção de novos espaços que promovam normativas em favor dos Direitos Humanos. O exemplo que Marques apresenta é sobre a Anistia Internacional, organização que a pesquisadora estuda desde 2014, e conta com legitimidade global.
“Atualmente, existe um consenso que a Anistia Internacional teve um papel fundamental na própria construção do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos da ONU, organização que conta com os Direitos Humanos enquanto um dos seus três eixos de atuação (os demais são Desenvolvimento, Paz e Segurança)”, complementa.
O professor e pesquisador da Escola de Humanidades Augusto Neftali de Oliveira tem experiência nas áreas de Ciência Política e Relações Internacionais, suas pesquisas englobam temas como Eleições, Política Pública, Democracia, Governos e outras. Além disso, o docente realiza estudos sobre as relações diplomáticas e o multilateralismo do Brasil e da América Latina.
Em seu estudo recente, o pesquisador aponta que, mais do que em qualquer momento nos últimos 30 anos, é importante ressaltar o multilateralismo e a diplomacia não apenas para o desenvolvimento nacional em harmonia, mas também para a colaboração no enfrentamento dos desafios coletivos. Oliveira destaca que o Brasil possui importante responsabilidade internacional e diplomática, por exemplo, na preservação da Amazônia e nas medidas para conter o aquecimento global previstas no Acordo de Paris.
No contexto da América Latina, o pesquisador explica que o continente já viveu um período produtivo para o multilateralismo e a diplomacia ao longo das décadas de 1990 e 2000. Oliveira conta que neste período, especialmente na América do Sul, houve esforços importantes mecanismos de colaboração econômica entre diferentes países, como o Mercosul e a Comunidade Andina de Nações. Essas relações culminaram com a criação da União de Nações Sul-Americanas (UNASUL), em 2008.
Porém, recentemente, exemplos como a crise da sucessão presidencial da Venezuela de 2019, criam desafios constantes para a diplomacia do continente. Na ocasião, Argentina, Brasil, Canadá, Chile, Colômbia, Costa Rica, Guatemala, Guiana, Honduras, Panamá, Paraguai, Peru e Santa Lúcia não reconheceram a legitimidade da vitória de Nicolás Maduro, sugerindo que o político não tomasse posse e fossem feitas novas eleições democráticas.
“Por estes e diversos outros conflitos políticos, instituições que poderiam ajudar em uma resposta regional para manutenção da segurança e da paz, como a própria UNASUL, foram desativadas, marcando um atual momento de crise para a manutenção da paz no continente”, destacou o docente.
O pesquisador Oliveira realiza pesquisas sobre como a política nos países da América Latina está entrelaçada e ajudam a produzir os movimentos de avanço e recuo no multilateralismo entre os países. Em seu artigo intitulado Neoliberalismo Durável, publicado na revista Opinião Pública, em 2020, o docente apresenta como as eleições levaram a governos ideologicamente próximos entre vários países da América Latina na primeira quinzena desse século. Por outro lado, motivos ideológicos também podem ser identificados nas divergências recentes, com isso, o pesquisador evidencia o risco que a diplomacia dos países passe a ser dirigidas de acordo com os interesses mais imediatos provenientes do ambiente político interno.
Este fenômeno é chamado por Oliveira de “diplomacia presidencial”, no qual as iniciativas de relações exteriores seguem os objetivos políticos dos presidentes eleitos. Para o pesquisador, a diplomacia brasileira, como toda a política pública, deve ser responsiva por meio dos mecanismos eleitorais e democráticos, além disso, deve ser concomitantemente guiada pelo princípio constitucional de manutenção da paz que rege as relações internacionais do Brasil.
“Este é um caso na qual as perceptíveis divergências ideológicas entre os governantes devem ser colocadas de lado. É necessário urgente discernimento por parte das lideranças e das instituições dos Estados da América Latina para proteção dos interesses da paz entre seus países e em relação às graves tensões atuais entre as potências mundiais”, complementa o pesquisador.