O professor e pesquisador da Escola de Ciências da Saúde e da Vida da PUCRS e coordenador da Iniciação Científica Júlio César Bicca-Marques recebeu o prêmio Distinguished Primatologist Award 2021. A honraria é concedida pela American Society of Primatologists (ASP) e homenageia um primatólogo – profissional que estuda primatas não-humanos – que tenha uma carreira notável de contribuições para a área.
Bicca-Marques foi o primeiro primatólogo fora dos Estados Unidos e do Canadá a receber esta premiação que, desde sua criação, em 1989, já premiou 24 profissionais vinculados a instituições norte-americanas. O docente recebeu um convite para realizar uma palestra magna no próximo congresso da ASP, em agosto de 2022, em Denver, nos Estados Unidos.
De acordo com o professor, receber este prêmio não apenas simboliza a valorização de sua carreira profissional individualmente, mas também destaca o reconhecimento da qualidade da ciência desenvolvida na América Latina.
“Além desse significado pessoal, esse prêmio simboliza algo muito maior. Ele salienta o reconhecimento da qualidade da ciência desenvolvida no Brasil e na América Latina, quase sempre com condições financeiras e logísticas muito inferiores àquelas disponíveis nos países economicamente ricos. Isso tem um impacto mais marcante nessa época em que vivemos de negacionismo científico e de desmonte das políticas nacionais de ciência, tecnologia, educação, proteção ambiental e inclusão social”, relata.
Júlio César Bicca-Marques é reconhecido por suas importantes contribuições científicas com várias atividades profissionais dentro da primatologia brasileira e mundial. Realiza pesquisas ressaltando a importância de entender que a vida dos primatas é moldada pela restrição espacial decorrente da redução e fragmentação das florestas, quais são as consequências na sobrevivência das espécies nesses ambientes influenciados pelas atividades humanas e na potencial importância de frutos cultivados na dieta dos macacos nesses ambientes.
Além disso, Bicca-Marques se destaca pela adoção de uma abordagem experimental de campo nas áreas da ecologia cognitiva e forrageio social. Suas pesquisas sobre ecologia cognitiva visam identificar as informações utilizadas por macacos de diferentes espécies na busca e escolha do alimento, especialmente frutos. São avaliados o uso da visão (cor, tamanho, forma) e do olfato (odor), a previsibilidade na localização do alimento, a discriminação entre locais com quantidades distintas de recurso entre outros aspectos. Já as pesquisas sobre forrageio social têm por objetivo identificar as estratégias utilizadas por cada macaco do grupo para ter acesso a um alimento que também é desejado por seus companheiros.
Desde o surto de febre amarela, em 2008 e 2009, no Rio Grande do Sul, o professor tem desenvolvido pesquisas científicas relacionadas à febre amarela silvestre. Em decorrência da divulgação de informações erradas e do consequente ataque a macacos durante esse surto, Bicca-Marques criou a campanha Proteja seu Anjo da Guarda para divulgar que os macacos são sentinelas da circulação do vírus em uma região, pois, com sua morte, sinalizam para as autoridades de saúde sobre a presença do vírus e a necessidade de vacinação da população humana.
A campanha teve sucesso em contribuir para que a se corrigisse o discurso sobre o papel dos macacos no ciclo da doença. Além disso, em 2018, Bicca-Marques liderou uma petição pública pela Rainforest Rescue requerendo que a plataforma Netflix corrigisse informações equivocadas e perigosas sobre o envolvimento dos bugios no ciclo da febre amarela no 7º episódio da série “72 Animais Perigosos: América Latina”. Assim, o episódio foi corrigido em menos de 30 dias.
Em sua trajetória, também obteve cargos de liderança em sociedades científicas como International Primatological Society, Sociedade Brasileira de Primatologia e Sociedad Latinoamericana de Primatología. É editor da Neotropical Primates, editor associado da International Journal of Primatology Society, Primates e Tropical Conservation Science, membro de comissão editorial da American Journal of Primatology e Studies on Neotropical Fauna and Environment e já revisou de cerca de 250 trabalhos sobre primatas submetidos para mais de 60 periódicos e livros científicos.
Júlio César Bicca-Marques é visto como formador de diversos profissionais e por sua forte presença no campo acadêmico como professor e coordenador da Iniciação Científica. Em sua trajetória, orientou mais de 40 alunos de Iniciação Científica, 26 mestres e sete doutores primatólogos no Programa de Pós-Graduação (PPG) em Ecologia e Evolução da Biodiversidade da PUCRS.
A paixão por sua linha de pesquisa é notável. Bicca-Marques ressalta que os humanos também são primatas e que nosso parentesco próximo é uma das razões pelas quais é importante estudarmos os primatas não-humanos.
“Além de entendermos as semelhanças estruturais do corpo, funcionamento do organismo, comportamentos e características cognitivas, é importante estudar esses nossos parentes fascinantes porque eles desempenham papeis cruciais nos ecossistemas”, ressalta.
Atualmente, cerca de 60% das espécies está ameaçada de extinção e 75% das populações de primatas do mundo está em declínio. Essa situação crítica decorre da destruição dos seus habitats, caça, tráfico e doenças infecciosas entre outras ameaças diretamente relacionadas com a forma predatória e insustentável como o ser humano interage com a natureza.
Primatas não-humanos podem atuar como polinizadores, importantes dispersores de sementes que promovem a regeneração das florestas, predadores, presas e tantas outras funções. São fundamentais na manutenção da saúde dos ecossistemas e seus serviços de mitigação das mudanças climáticas via armazenamento de carbono, produção de “rios voadores” que suprem de água a nossa agricultura, proteção do solo contra a erosão, incluindo a manutenção das nascentes de água potável que abastecem as nossas cidades e lavouras, entre outros.
Além de ressaltar a importância do estudo sobre primatas, o pesquisador mantém presente na sua trajetória o papel de incentivar e aconselhar jovens estudantes interessados em seguir a carreira científica. Bicca-Marques orienta seus alunos a sempre buscarem fazer aquilo que amam e sentem prazer, assim como manter o pensamento crítico e a criatividade existentes em sua jornada.
“Não se satisfaça em fazer como todo mundo. Trabalhe com seriedade, dedicação e determinação, e sempre faça o melhor possível dentro das condições disponíveis. Por fim, eu aconselharia a aprender a vibrar com cada pequena conquista na direção da realização dos objetivos e metas pessoais”, incentiva.