Um melhor uso de levantamentos relacionados aos casos de violência no Brasil e uma reflexão sobre a defasagem de leis anticrime. Esses foram os principais apontamentos durante o workshop Segurança Pública, Justiça Criminal e Indicadores Sociais no Brasil, ocorrido nos dias 16 e 17 de dezembro, no Living 360º (prédio 15) no Campus da Universidade.
Com transmissão ao vivo para o público em geral, o encontro foi promovido pelo Grupo de Pesquisa em Políticas Públicas de Segurança e Administração da Justiça Penal (GPESC) da PUCRS. Também contou com o envolvimento da Rede de Observatórios da Dívida Social da América Latina (Red ODSAL), na qual a Universidade faz parte, e o Observatório de Segurança Pública da Escola de Direito. Os participantes puderam realizar questionamentos aos palestrantes.
Em 2018, 11 a cada 100 mortes violentas intencionais foram provocadas pelas polícias no Brasil, sendo 17 pessoas mortas por dia, com 6.220 vítimas. 99,3% são homens, 77,9% entre 15 a 29 anos e 75,4% negros. Estes são alguns dos dados indicados pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), durante a palestra do diretor Presidente da organização, Renato Sérgio de Lima. “O nosso papel é compilar e produzir informação (na segurança pública), trazer à tona determinados fenômenos para que se tenha um forte protagonismo na exposição pública nos debates políticos”, pontua.
No ano passado, foram 57.358 mortes violentas intencionais no Brasil (mesmo patamar de 2013), uma redução de 10,8%. Destas, 25,7% das mortes aconteceram nas capitais brasileiras. “Mesmo com patamares menos elevados, existem riscos de continuidade da violência como uma das marcas históricas e políticas do nosso país”, indica Lima.
Outros dados preocupantes são relacionados aos estupros no país, registrando o maior índice em 2018, com 66.041 casos. Em relação aos autores deste tipo crime, 93,2% teve o envolvimento de uma pessoa e 96,3% eram do sexo masculino. Quanto às vítimas, 81,8% eram do sexo feminino, 50,9% negras, 48,5% brancas e 53,8% tinham até 13 anos (uma média de quatro meninas de até 13 anos estupradas por hora).
Entre os principais temas abordados pela mídia, os que tiveram mais cobertura foram as descrições de casos pontuais de feminicídio e o debate sobre a violência contra a mulher. “Esses dois temas não saem da mídia e são os últimos a serem melhorados pelo Sinesp (Sistema Nacional de Informações de Segurança Pública). É uma questão política, são quase 300 mil notícias”, alerta.
Como desafios, o diretor Presidente do FBSP refletiu sobre as pautas corporativistas, a forte adesão ideológica e politização excessiva das polícias e a queda como efeito de múltiplas dinâmicas. “O presidente da República fez o que falamos que era necessário fazer: deu prioridade política ao tema e assumiu a gestão com as melhores condições em décadas na área. O problema é o significado que ele está dando aos conceitos de ordem e segurança, que está longe dos pressupostos da Constituição Federal de 1988”, analisa.
Ao todo, em 2018, são 1,6 milhão mulheres espancadas ou que sofreram tentativa de estrangulamento no Brasil. Numa média são 536 casos por hora no país, quase a mesma proporção de mulheres que dizem ter sido vítima de algum tipo de violência sexual.
Conforme destacou a diretora Executiva do FBSP, Samira Bueno, 22 milhões (37,1%) de brasileiras passaram por algum tipo de assédio. “Entre os casos de violência, 42% ocorreram no ambiente doméstico. Após sofrer uma violência, mais da metade das mulheres (52%) não denunciou o agressor ou procurou ajuda”, aponta.
Ainda, segundo dados do FBSP, grande parte das mulheres que sofreram violência dizem que o agressor era alguém conhecido (76,4%). Mulheres negras e pardas são mais vitimadas do que as brancas; as jovens, mais do que as mais velhas. “Acredito que boa parte dessas mulheres mortas, de alguma maneira, passaram pelas vistas da Policia Militar, que resolveu solucionar da sua maneira, mas não souberam conduzir (a denúncia) direito”, sinaliza Samira.
Autor do livro Pela metade A Lei de Drogas do Brasil, Marcelo Silveira Campos, professor da Faculdade de Ciências Humanas da Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD) abordou a conclusão de um trabalho de quatro anos de estudo, três na sociologia da Universidade de São Paulo (USP) e um na criminologia da Universidade de Ottawa, no Canadá. “O principal resultado é a sensação do copo meio vazio e meio cheio, que simbolizou a partir da Lei Antidrogas (instituída em 2006)”, frisa.
Conforme Campos, o Canadá foi objeto de pesquisa, pois é o avesso do Brasil no que diz respeito à segurança pública. “Aquele país é cheio de saúde pública e vazio de prisão. Para se ter uma ideia, 7% das infrações são por drogas e 4% por posse, isso dentro das condenações oficiais. No Brasil, estamos em 30%”, diz.
Para o professor, a lei gerou uma grande expectativa de avanço, mas ocasionou efeitos absolutamente contrários. “Existe uma falta de critérios objetivos para distinguir porte de uso e tráfico, isso dentro da realidade país. É uma política pública ao avesso”, indaga.
Porto Alegre, Alvorada, Cachoeirinha, Canoas e Caxias do Sul são uns dos 18 municípios diagnosticados como os mais violentos do Rio Grande do Sul, os quais concentram 45% da população no Estado. Nestas cidades, 71% são casos de mortes violentas, 89% de roubos de veículos e 88% de roubos a pedestres. Essas informações são do programa RS Seguro, uma iniciativa estruturante que busca soluções sustentáveis no tempo para a melhoria contínua dos indicadores de criminalidade. A ação tem como eixos: combate ao crime; políticas sociais preventivas e transversais; qualificação do atendimento ao cidadão e sistema prisional.
Esses dados foram demonstrados pelo secretário-executivo do RS Seguro, o delegado da Polícia Civil, Antônio Carlos Pacheco Padilha. Lançado em fevereiro de 2019, pelo Governo do Estado do Rio Grande do Sul, o levantamento é fruto de um estudo realizado por meio de informações relacionadas aos últimos dez anos. “Estamos realizando uma gestão com metas sistemáticas, com os indicadores priorizados. Não tem como trabalhar com segurança pública sem evidências”, finaliza Padilha.