Em 2022, a população com seis anos ou mais no Rio Grande do Sul enfrentava uma taxa de pobreza de 15,9%. Para as crianças de até seis anos, no entanto, esta taxa era praticamente o dobro, alcançando 30,2%. No caso da pobreza extrema, para aqueles acima de seis anos a taxa era de 2,5%, enquanto para as crianças até essa idade o patamar ficava em 4,7%. Em termos absolutos, em 2022, havia 244 mil crianças pobres e 37,9 mil em extrema pobreza. Segundo André Salata, professor da Escola de Humanidades da PUCRS, “as taxas de pobreza maiores para as crianças até seis anos, em comparação com a população total acima desta faixa etária, se explicam, em grande parte, pela maior concentração de crianças em domicílios com renda mais baixa.”
Estes números fazem parte do relatório “Pobreza infantil no Rio Grande do Sul entre 2012 e 2022”, lançado pelo PUCRS Data Social: Laboratório de desigualdades, pobreza e mercado de trabalho. Os dados são provenientes da Pesquisa Nacional por Amostras de Domicílios Contínua (PNADc), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O estudo trabalha com as linhas de US$6,85 PPC para pobreza e US$2,15 PPC para a extrema pobreza, assim como definidas pelo Banco Mundial. Em valores mensais de 2022, a linha de pobreza é de aproximadamente R$6,36 per capita e a linha de extrema pobreza é de aproximadamente R$ 199 per capita. Crianças que vivem em domicílios com renda per capita abaixo desses valores estão em situação de pobreza e/ou de pobreza extrema.
O professor Ely Jose de Mattos, pesquisador do laboratório, afirma que “a pobreza infantil é particularmente preocupante, pois sabe-se que privações de condições básicas nesta fase da vida tem repercussões permanentes na fase adulta”. Já a pesquisadora Izete Pengo Bagolin destaca que “crianças que vivem em famílias em situação de pobreza monetária, em geral também estão expostas a outros tipos de privações tais como moradias precárias, nutrição inadequada e condições educacionais insuficientes.”
Ainda que as taxas de pobreza e pobreza extrema sejam preocupantes de um modo geral, a situação é ainda pior para determinados segmentos demográficos. Entre as crianças negras, por exemplo, a taxa de pobreza é o dobro daquela entre as crianças brancas – 50,5% contra 25,6%. Já sobre localização de moradia, a pobreza infantil em áreas rurais é maior (35%) contra 29,5% no ambiente urbano.
Os programas de transferência de renda, neste contexto, desempenham importante papel na minimização desta situação. Em 2020, ano crítico da pandemia, a taxa de pobreza entre crianças no RS foi de 31,6%; sem os auxílios, poderia ter chegado a 38,3%. No caso da pobreza extrema, para o mesmo ano, registrou-se a marca de 5,4%; sem os auxílios poderia ter sido quase o dobro (10,6%). Além das taxas de incidência, os auxílios também se mostraram relevantes para amenizar a profundidade da pobreza – entendida como a distância entre a renda dos indivíduos e a linha de pobreza utilizada.
O estudo também mostra que as crianças em situação de pobreza sofrem desvantagens em outras dimensões além da monetária. Em termos de estrutura familiar, por exemplo, as crianças pobres apresentam maior tendência a viver em famílias monoparentais: 29,3% entre as crianças pobres, contra 16,7% para o total de crianças no estado. Quanto à escolaridade dos pais ou responsáveis, fica evidente seu menor nível educacional no caso das crianças pobres. Entre as crianças abaixo da linha de pobreza, 48,9% dos responsáveis tinham apenas ensino fundamental, enquanto para o total de crianças do Rio Grande do Sul esse número era de 32,7%. O estudo identifica, ainda, que as crianças pobres tendem a frequentar menos a creche/escola: 45,7% o faziam, contra 57,7% para o total de crianças do estado. Finalmente, do ponto de vista de moradia, o estudo mostra que crianças em situação de pobreza tendem a morar em domicílios com adensamento excessivo: 48,9% entre as crianças pobres, contra 33,2% no total das crianças do RS.
Segundo os pesquisadores, estes são fatores que afetam não somente a qualidade de vida destas crianças no presente, mas também suas oportunidades no futuro. André Salata, que também coordena o PUCRS Data Social, pontua:
“É importante compreender que a pobreza não indica somente uma privação monetária. Em função das condições de vida mais duras, famílias pobres têm dificuldades para garantir os estímulos necessários ao bom desenvolvimento de capacidades cognitivas e não cognitivas para seus filhos, com prejuízos que se dão no presente, mas que também serão sentidos no futuro dessas crianças”.
Tomás Fiori, professor da Escola de Negócios da PUCRS e um dos autores do estudo, destaca o papel do governo estadual no combate à pobreza infantil:
“O Rio Grande do Sul já foi pioneiro quando lançou o Programa Primeira Infância Melhor (PIM) há 21 anos e hoje está construindo o Plano Estadual que norteará o cuidado integral das crianças até 2034. A compreensão da incidência e profundidade da pobreza nessa fase da vida é crucial, assim como a contribuição da comunidade acadêmica em estudos como o que o PUCRS Data Social está oferecendo à sociedade.”