Baseada na série de videogame de mesmo nome, o seriado The Last of Us se tornou um fenômeno mundial, sendo um sucesso tanto entre os fãs do jogo que a inspirou quanto entre aqueles que tiveram contato com esse universo através da série. Produzida pela HBO Max, a narrativa retrata um cenário pós-apocalíptico, no qual o planeta foi devastado por um fungo que passou a infectar seres humanos, controlando suas mentes e se apoderando de seus corpos. O organismo, chamado cordyceps, de fato existe na vida real – no entanto, não como na série.
Mas, afinal, como o cordyceps age na natureza? Conversamos com Nelsa Cardoso, professora de Micologia da Escola de Ciências da Saúde e da Vida da PUCRS, para esclarecer essa e outras questões relacionadas ao universo dos fungos.
Se em The Last of Us a humanidade foi despedaçada graças ao cordyceps, na vida real as maiores vítimas desse fungo são os insetos. Incapazes de atacar seres humanos, os fungos desse gênero entram em organismos como os de formigas, mariposas e cascudos. Segundo a professora, há mais de 600 espécies de fungos cordyceps, e cada um se especializa em insetos específicos.
“Por exemplo, o fungo que ataca formigas as paralisa e domina o sistema nervoso delas, matando-o, enquanto o corpo segue em movimento. A formiga, então, gruda na nervura principal de uma folha e o fungo começa a crescer a partir da cabeça da formiga, criando uma espécie de antena com uma bola na ponta, que é o que chamamos de esporângio. É assim que o fungo faz para liberar pequenas partículas de reprodução, que são os esporos”, detalha.
Não há registros do cordyceps atacando organismos humanos ou de qualquer outro mamífero – apenas artrópodes. No entanto, Nelsa ressalta que uma evolução não é impossível, e que há dois fatores que podem contribuir para isso: temperatura e umidade. “Você já viu que, muitas vezes, você sai para caminhar num parque onde choveu no dia anterior e ele está cheio de cogumelos? O cordyceps não é do grupo dos cogumelos, mas como fungo, ele também trabalha com essas duas variáveis”, exemplifica.
Ela destaca, no entanto, que a chance de o cordyceps evoluir e atacar seres humanos pode existir em um futuro distante, mas, no momento, não é, nem de longe, uma possibilidade.
Segundo a pesquisadora, os fungos estão entre os organismos mais adaptáveis da natureza: foram descobertas espécies que podem se desenvolver até mesmo em estações espaciais, tanto dentro como fora delas. Elas evoluíram aproveitando a radiação enviada pelo sol, e desenvolveram melanina para não se queimar.
Além disso, ela comenta que, apesar de não serem seres autotróficos (que produzem seu próprio alimento), os fungos conseguem, tanto os de solo firme quanto os do fundo do mar, englobar pequenos torrões de terra onde eles aprisionam bactérias e produzem substâncias de que eles se alimentam. Ainda assim, por serem heterotróficos, precisam consumir alimentos que venham de fora de seus organismos. Ela também explica que, apesar de um processo chamado digestão extracelular, os fungos garantem o alimento de diversos outros seres:
“Os fungos se alimentam assim: a hifa vem sobre a matéria, regurgita, como se fosse uma mosca ao se alimentar. Solta um ácido sobre o alimento, o alimento se liquefaz e ele suga aquilo. Parte desse material sobra e vai parar na natureza. Tudo o que estiver sobre uma mesa, por exemplo, um fungo pode destruir. A gente tem percebido, até mesmo de materiais sólidos, que o fungo é, em geral, muito bom para desmanchar celulose, mais que qualquer outro ser.”
Apesar de a série retratar os fungos como os grandes vilões, na vida real eles têm variadas utilidades para os seres humanos. Entre elas, uma das mais famosas é a penincilina, medicamento utilizado para diversos tratamentos médicos, que é derivado do fungo penincilium. Outra grande utilidade é a alimentação: cogumelos, como o champignon e o shitake, são comestíveis e trazem benefícios para a saúde, como o fortalecimento do sistema imunológico e a prevenção de problemas cardíacos. Outro fungo comestível – apesar de não fazer parte do grupo dos cogumelos – é a famosa trufa, tida como uma refinada iguaria.
“Temos uma lacuna no mercado alimentício, que é o fato de muita gente não conhecer tanto o valor nutritivo quanto o sabor mesmo dos cogumelos em geral. Os fungos servem como uma bela fonte de alimentação. A gente tem descoberto alguns que nos mostram que em 100g de um produto há mais proteína em fungo do que em carne vermelha”, comenta Nelsa.
Para quem se interessa pelo assunto, Nelsa dá a dica: o curso de Biologia (disponível nas modalidades Bacharelado e Licenciatura na PUCRS) é a escolha perfeita. “É o melhor curso para acessar os conhecimentos sobre fungos de uma maneira em que você vai poder ser um especialista naquilo”, ressalta. “De outra forma, tem especialização, mestrado, doutorado. Aqui, nesse momento, a gente tem um pessoal de um Grupo Hospitalar, que lida com os fungos que causam doenças.”