Em Cerro Largo, pequena cidade localizada há cerca de 400 km de Porto Alegre, o Museu 25 de Julho exibia uma múmia egípcia. De acordo com a instituição, ela foi doada por Marcelino Kuntz, que a recebeu como presente na década de 1950. Embora estivesse há mais de meio século na cidade, sua autenticidade ainda não havia sido confirmada, até que, em 2017, pesquisadores da PUCRS a trouxeram à capital gaúcha, onde sua identidade foi confirmada.
No último ano, análises bioarqueológicas realizadas pelos pesquisadores Edison Hüttner, da Escola de Humanidades, Eder Hüttner e Bruno Candeias identificaram células intactas na múmia, batizada como Iret-Neferet. Por essa descoberta, receberam, neste mês, o prêmio Descobertas do Ano da revista Aventuras na História.
“Essa descoberta se torna importante por três motivos: em primeiro lugar, por ser inédito encontrar uma múmia egípcia em uma cidade do interior do Rio Grande do Sul e, além disso, por ela ter suas células extremamente preservadas e, por fim, pela característica interdisciplinar da pesquisa, cada vez mais relevante no âmbito acadêmico”, explica o professor Luciano Aronne de Abreu, coordenador do Grupo de Identidades Afro-Egípcias.
Para descobrir a idade da múmia, os pesquisadores utilizaram um dos principais métodos de datação de fósseis, o radiocarbono C-14, que leva em consideração o decaimento radioativo do carbono 14, presente nos seres vivos, ao longo do tempo. Assim, conseguiram estimar que Iret-Neferet viveu por volta de 768 e 476 a.C., ou seja, entre o final do Terceiro Período Intermediário (1070-712 a.C.) e o início do Período Tardio (712-332 a.C.).
Também foi encontrado um olho esquerdo artificial, inserido durante o processo de mumificação. Esse elemento é um dos principais amuletos egípcios. Sua origem remonta à mitologia egípcia, a qual conta que o deus Hórus teve seu olho esquerdo arrancado por seu irmão Seth durante uma luta. Foi essa característica que deu origem ao nome da múmia, Iret-Neferet, que significa a mulher de olho bonito. Os pesquisadores contam que por não haver escrita nas faixas que a envolviam e apenas sua cabeça ser conhecida, seria difícil descobrir o verdadeiro nome da egípcia.
Recentemente, em outubro de 2020, os pesquisadores divulgaram no Congresso da Associação Europeia de Osteointegração, em Berlim, na Alemanha, a descoberta de células intactas no corpo da múmia. O processo de mumificação – seja o natural ou o induzido – consiste na preservação dos tecidos, causada pela desidratação do corpo antes que as bactérias responsáveis pela decomposição possam atuar, no entanto, a precisão da preservação celular surpreendeu.
Essa análise, realizada no Laboratório de Anatomia Patológica do Hospital São Lucas da PUCRS, utilizou parte dos ossos cranianos conhecidos como mandíbula e masseter. Neles, foi possível identificar hemácias dentro dos vasos sanguíneos. A existência de células preservadas possibilita que sejam realizadas novas análises, como as de DNA, as quais auxiliariam a identificar características físicas, possíveis doenças e o parentesco de Iret-Neferet.
Em comemoração aos 18 anos da primeira revista impressa da Aventuras da História, na época da Editora Abril, foi lançado, em julho de 2021, o prêmio Descobertas do Ano. O seu objetivo é dar visibilidade a historiadores, pesquisadores, jornalistas e jovens influenciadores que usam o seu espaço na internet para educar, informar e alertar as próximas gerações. Além disso, possibilita que esses profissionais, impactados pela pandemia, sejam valorizados.
Os pesquisadores ganharam a categoria Descoberta do Ano, pela descoberta das células intactas de Iret-Neferet.
O Grupo de Identidades Afro-Egípcias, responsável pela pesquisa, realiza estudos interdisciplinares sobre essas sociedades. Composto por uma equipe renomada de pesquisa, de diferentes universidades, teve como últimas descobertas uma deusa Nimba da etnia Baga/Nalu feita por descendentes africanos, no município de Santo Ângelo (RS) e a cabeça da múmia Iret-Neferet.