Dois dias após a data em que se celebra o Dia da Consciência Negra, Martinho da Vila lotou o Salão de Atos da PUCRS com o concerto do seu novo álbum Negra Ópera. A voz intensa do artista carioca deu vida ao drama, à luta e à resistência incessante do povo negro contra o racismo e as injustiças sociais, abordando questões como a negritude, os conflitos da vida na favela, as rodas de capoeira e os pontos de umbanda e candomblé.
A apresentação fez parte da cerimônia de entrega do Mérito Cultural, honraria que simboliza o reconhecimento da Instituição a uma personalidade do meio artístico. Com discurso emocionante, o reitor da Universidade, Ir. Evilázio Teixeira, descreveu a importância da obra de Martinho para a cultura brasileira e para o contexto da música mundial, citando inclusive a sua recente conquista do Grammy Latino de Melhor Álbum de Samba/Pagode.
“Martinho, siga nos brindando com a sua criatividade e energia, cantando forte e cantando alto que a vida vai melhorar. Anunciando que a cultura brasileira é rica, diversa e que desperta elementos próprios de uma cidadania que não pode prescindir de estética – de emoções e sensações que descortinam a beleza da vida”, pontuou o reitor.
O evento, que fez parte das celebrações de Aniversário dos 75 anos da PUCRS, trouxe para Porto Alegre um espetáculo que se assemelha a uma ópera: apresenta abertura instrumental e divisão em três atos. O tom combativo das composições e a performance dramática da dançarina Allenkr garantiram um show emocionante e inesquecível ao público. Ao receber o prêmio, Martinho agradeceu à Universidade e encerrou o concerto com a música Kizomba, Festa da Raça.
“Receber uma homenagem como esta, desta Universidade conceituada, me sensibiliza de uma maneira especial. Eu dedico este prêmio a todas as pessoas que me ajudaram a chegar até aqui”, agradeceu Martinho, que também inaugurou a Galeria Mérito Cultural, espaço reservado para destacar todos os artistas reconhecidos com a honraria.
Fernanda Souza chamava atenção na plateia carregando consigo uma pilha com 11 discos de Martinho da Vila. Legado do seu pai Francisco, que faleceu no ano passado, os discos representam uma conexão entre a filha, o pai e o artista. Fã do Martinho, o pai passou para Fernanda a paixão pelo artista que, segundo ela, é muito mais do que um cantor e compositor: é um marco da cultura e importante representante das causas sociais.
“Quando eu estava na barriga da minha mãe, ele cantava para mim uma música muito antiga do Martinho, chamada Tom Maior, dedicada a todas as mães que sonham com um Brasil melhor”, conta.
Antes de falecer, Francisco e a filha Fernanda conseguiram assistir a um show de Martinho em Porto Alegre. Agora, concertos como este serão momentos de conexão e memória para ela.
Martinho da Vila nasceu em Duas Barras, no Rio de Janeiro, em 12 de fevereiro de 1938. A partir de 1965, passou a se dedicar inteiramente à Escola de Samba Unidos de Vila Isabel: compôs grande parte dos sambas-enredo consagrados e colaborou para a criação de temas de inúmeros desfiles. Surgiu para o grande público no III Festival da Record, em 1967, quando apresentou o partido alto Menina Moça. No ano seguinte, na quarta edição do mesmo festival, lançou seu primeiro sucesso, o clássico Casa de Bamba, seguido de O Pequeno Burguês.
Nacionalmente conhecido como sambista, o artista é um legítimo representante da Música Popular Brasileira (MPB), com várias composições gravadas por cantores e cantoras de diversas vertentes musicais. Ao longo de sua trajetória, lançou mais de 20 livros, ultrapassou o marco de 50 álbuns e acumulou inúmeros prêmios e títulos, entre os quais figura agora o Mérito Cultural PUCRS 2023.
Com entrega anual, o Mérito Cultural PUCRS integra o Estatuto e Regimento Geral da Universidade e está inserido nas diversas ações que buscam transformar a Instituição em um polo cultural. A pessoa homenageada é alguém que tenha transformado a sua vida artística numa trajetória de defesa da cultura enquanto instrumento de humanização e educação.
Nos últimos quatro anos, homenageou a atriz Fernanda Montenegro que apresentou a leitura dramática Nelson Rodrigues por ele mesmo e a cantora Maria Bethânia que, na ocasião, apresentou seu espetáculo Claros Breus, ambas cerimônias aconteceram no Salão de Atos. Em 2020, Lima Duarte foi homenageado em cerimônia online, na qual relembrou sua história e fez a leitura de excertos de João Guimarães Rosa e Padre Antônio Vieira.
Em 2021, Alcione recebeu o reconhecimento em cerimônia transmitida ao vivo pelo YouTube em que relembrou momentos marcantes de sua carreira artística. E em 2022, o pernambucano Alceu Valença subiu ao palco do Salão de Atos para apresentar o show Anunciação – Tu vens, eu já escuto os teus sinais.