À frente do The Medulloblastoma Initiative, o empresário gaúcho lidera uma força-tarefa para encontrar a cura de um dos tipos de câncer que mais afeta crianças no mundo
terça-feira, 09 de julho | 2024O meduloblastoma afeta 30 mil crianças por ano, e Frederico, filho de Fernando, foi diagnosticado aos 9 anos com a doença. / Foto: Giordano Toldo
“Crianças nunca deveriam ter câncer.” Se fosse criado um plebiscito para avaliar mudanças nas regras da vida, a proposta acima teria Fernando Goldsztein como seu maior defensor. Afinal, é a frase mais repetida pelo empresário. Um lamento transformado em lema e propósito de sua existência.
Graduado em Administração pela PUCRS, Goldsztein é um dos sócios da Cyrela, uma das principais construtoras do País. Hoje, porém, o cargo que mais o representa é o de fundador do The Medulloblastoma Initiative (MBI). A organização se dedica a captar recursos para o tratamento do meduloblastoma, o câncer cerebral que mais afeta crianças.
Em 2015, aos 9 anos, seu filho foi diagnosticado com a doença. Ali, Goldsztein iniciou uma dura relação com a enfermidade de Frederico, marcada por irresignação e grandes doses de empatia. “Só quem passa por isso tem a real dimensão. A vida é nosso bem mais caro. E a vida de um filho é ainda mais preciosa”, define. O câncer, aliás, não era uma novidade para ele. Em 2005, Goldsztein viajou a Houston (EUA) para tratar um tumor ósseo. Deu certo. A doença desapareceu.
Já com o meduloblastoma os entraves tendem a ser maiores. O tumor afeta o cerebelo, responsável pela coordenação motora. A cada ano, são registrados 25 mil casos – raros em adultos. O tratamento quase não evoluiu desde os anos 1980. É agressivo e deixa sequelas para o desenvolvimento da criança. O índice de cura chega a 70% dos pacientes. Os outros 30% tendem a não resistir. “Ficamos do lado errado da estatística”, conta Goldsztein. Não há protocolos para esses casos. A saída é apostar em tratamentos experimentais.
Goldsztein, então, procurou o Dr. Roger Packer, um dos maiores especialistas em tumores cerebrais pediátricos, vinculado ao Children’s National Hospital, de Washington. De cara, doou US$ 3 milhões do seu bolso para colaborar com o avanço dos estudos. Mas sabia que era preciso ir além. Em 2021, estruturou o MBI para ampliar a captação de recursos e financiar um pool de laboratórios que se dedica a testar novos caminhos para a cura. Atualmente, Frederico está bem e mantém a doença sob controle. E o rápido avanço das pesquisas gera esperanças a milhares de outros pacientes.
Neste bate-papo com a Revista PUCRS, Fernando Goldsztein conta um pouco sobre a jornada do MBI – e também fala sobre o projeto Conexões de Valor, evento que apresenta ações de ex-alunos da Universidade, inspirado em sua experiência no Massachusetts Institute of Technology (MIT).
Foi um momento dramático. Chegamos a um impasse, pois não há protocolo para esse caso. O meduloblastoma afeta 30 mil crianças por ano. Dessas, 10 mil irão perecer. Senti que precisava contribuir para mudar esse cenário. Então, contatei o Dr. Packer e realizei uma doação inicial. Foi um valor expressivo, mas sabia que não seria suficiente. Com esse dinheiro, o Dr. Parker pôde começar a unir um time formado por alguns dos melhores cientistas do mundo. Hoje, o projeto auxiliado pelo MBI conta com um consórcio de 13 laboratórios, localizados nos EUA, Canadá e Alemanha. O ecossistema inclui três dos cinco maiores especialistas em meduloblastoma. A proposta é desenvolver tratamentos que possam chegar à cura da doença.
Os 13 laboratórios trabalham online, de forma colaborativa e sinérgica, para alcançarem novas descobertas. Em menos de três anos, já temos quatro clinical trials – dois deles submetidos à FDA. É algo inédito. Em geral, esses estudos demandam um tempo mais longo. Há previsão de novos tratamentos experimentais para os próximos dois anos. O mérito disso é todo da estrutura montada pelo Dr. Parker. Eu apenas o encontrei.
Todos são baseados em imunoterapia, uma técnica que utiliza as próprias células de defesa do corpo. Os linfócitos são treinados para atacar as células tumorais. Há casos de cânceres pediátricos, como leucemias, que estão sendo resolvidos assim. Queremos saber se a imunoterapia funciona para cânceres sólidos. Quanto mais clinical trials houver, mais chance temos de encontrar um protocolo eficaz.
Esse é um trabalho do Dr. Michael Taylor (Universidade de Toronto), que recebeu um suporte do MBI. Mas é algo que vai além da nossa fundação. A ideia é que, no futuro, exista um teste capaz de detectar se a criança terá ou não o meduloblastoma. O processo seria semelhante ao de um pólipo no intestino. Você o retira para evitar a formação do tumor. É um projeto ainda muito incipiente. Vai levar décadas para chegarmos a uma vacina, por exemplo. Mas se trata de um avanço.
A média de casos, embora pareça alta, é inexpressiva do ponto de vista estatístico. Por isso, não existe interesse da indústria farmacêutica nem dos governos. Só é possível mudar isso pela filantropia.
As pesquisas já estavam mais avançadas fora daqui. Os próprios laboratórios não foram escolhidos ao acaso. Todos possuíam funding para estudar tratamentos de câncer infantil. A diferença é que esses investimentos costumam ocorrer por meio de grants – uma subvenção dada a projetos que se candidatam a recebê-la. Já o modelo do MBI é diferente. Os recursos são 100% destinados a esse ecossistema que estuda o meduloblastoma. É uma doença tão desassistida que precisou surgir uma iniciativa brasileira para financiar estudos nos EUA, Canadá e Alemanha. Isso também é inédito.
Sim, o foco vai além da cura. Em inglês, a gente usa o termo raise awareness. Algo como “aumentar a consciência” sobre o assunto. Queremos mostrar que essa doença e essas crianças ficaram abandonadas pela sociedade desde sempre. O tratamento é o mesmo há 40 anos. De lá para cá, a tecnologia mudou em diferentes sentidos e a medicina também. Mas os pacientes de meduloblastoma seguem condenados a uma abordagem de muito alto risco. Mudar esse cenário é a essência do MBI. E acho que essa divulgação pode estimular que mais famílias tomem esse tipo de atitude e possam auxiliar a resolver outras doenças raras.
O Tulio Milman [presidente da Associação de Amigos do Museu de Ciência e Tecnologia da PUCRS] contou ao Ir. Evilázio Teixeira sobre o MBI. Ele achou o projeto inovador e me chamou para conversar. A partir daí, surgiu a ideia dessa ação para integrar as estratégias de reaproximação da universidade com seus ex-alunos. A primeira edição, realizada em novembro, contou com a participação da mastologista Maira Caleffi, presidente do Instituto da Mama do Rio Grande do Sul (Imama), e do professor Jorge Audy, superintendente de Inovação e Desenvolvimento da PUCRS e do Tecnopuc. Sem dúvida, foi a primeira de muitas.
É um grande manancial de histórias e conexões para a PUCRS. Os egressos são ativos que precisam ser utilizados. Os americanos fazem isso muito bem e servem como referência.
Nesse sentido, como a formação realizada na PUCRS contribui para a sua trajetória?
O curso de Administração, por ser abrangente, abriu muitas janelas. Tive ótimos professores. E depois, claro, cabe ao aluno buscar o foco. Fiz dois cursos de mestrado, na Fundação Dom Cabral e no MIT. Mas a base foi o caldo de cultura e informação recebido na PUCRS. Essa base sólida ajudou muito na minha carreira e neste desafio que estamos liderando.
*Texto originalmente publicado na edição 194 da Revista da PUCRS, lançada no mês de março de 2024. A produção foi cocriada com a República Conteúdo e a edição completa está disponível para download neste link.
Com o objetivo de reconhecer novas e consolidadas histórias, o Prêmio Alumni foi criado para reforçar a conexão e o compromisso com mais de 200 mil egressos/as e valorizar iniciativas que contribuem com a construção de uma sociedade mais justa, responsável e humana. Fernando é um dos convidados especiais deste evento. A terceira edição da premiação acontece no dia 11 de julho, a partir das 18h30, no Centro de Eventos da PUCRS.