A democracia representativa faz com que países como Brasil, Índia, Reino Unido e Estados Unidos realizem eleições periódicas para escolher novos representantes da nação ou manter aqueles que já estão no poder. Apesar de 2024 ser um ano de eleições em vários países (no Brasil, elas são municipais e acontecem em outubro), a que gera a maior impacto no mundo e nas relações internacionais é a norte-americana. O pesquisador da Escola de Humanidades da PUCRS, Augusto Neftali Corte de Oliveira, que está atuando como professor visitante na Université Libre de Bruxelles, explica que o mundo todo está de olho nesta disputa eleitoral.
“O mundo todo espera o resultado da eleição americana, especialmente no caso de uma disputa polarizada com candidatos com pautas tão diferentes quanto Joe Biden (Democrata) e Donald Trump (Republicano). No momento estou na Bélgica como professor visitante e a eleição dos Estados Unidos é uma preocupação central no meio acadêmico e entre interlocutores da União Europeia”, explica o docente que é cientista político.
Neste ano, o dia da eleição acontece no dia 5 de novembro (terça-feira), mas a disputa eleitoral começou no dia 15 de janeiro, com as eleições primárias e os caucus. Mas como este sistema funciona? Como o presidente é realmente escolhido? O que são eleições primárias, caucus, delegados e colegiados? Para entender este cenário complexo do sistema eleitoral dos Estados Unidos, conversamos com o professor Augusto Neftali. Confira!
Antes de as pessoas decidirem entre dois candidatos para a presidência dos Estados Unidos, acontecem as eleições primárias e os caucus. Tanto as primárias como os caucus são formas democráticas pelas quais os partidos políticos dos EUA decidem quem serão seus candidatos nas eleições, visto que as decisões são tomadas por cidadãos interessados e não pelas cúpulas partidárias.
As primárias são eleições normais, nas quais os eleitores comparecem em filas para depositarem votos em uma urna. Nos caucus também ocorrem votações, mas precedidas de assembleias entre os eleitores. Como participar de um caucus é mais trabalhoso do que participar das eleições primárias, os caucus restringem o número de participantes e favorecem o comparecimento de pessoas mais interessadas na política. O professor Augusto Neftali explica que quem decide o sistema (de primárias ou caucus) não é apenas o partido, mas sim a legislação de cada estado e cada um dos 50 estados e alguns territórios podem realizar primárias, caucus ou os dois sistemas.
“Isso acaba tornando o sistema muito diversificado. Atualmente existe a tendência em alguns estados de aprovarem legislação para favorecer as primárias e não os caucus. Quem vota nas primárias também muda de estado para estado. Em alguns casos, apenas os eleitores registrados em um partido podem participar da primária ou do caucus (no partido em que é registrado). Outras primárias são abertas, ou seja, todos os cidadãos podem participar da primária republicana e da democrata”.
Nas primárias e caucus, o eleitor escolhe qual pré-candidato prefere que o partido indique para a eleição geral. Essas preferências são traduzidas em delegados, que irão participar da convenção nacional de cada partido que são encarregados de votar no nome do pré-candidato que recebeu apoio dos eleitores. A escolha desses delegados varia entre partidos e estados, mas eles podem ser membros ativos do partido, líderes partidários, cidadãos comuns. Também existem os superdelegados, que não são eleitos e possuem um peso maior no Partido Democrata. Os delegados reunidos nas convenções nacionais dos partidos Democrata e Republicano escolherão os candidatos oficiais de cada agremiação à presidência.
O colégio eleitoral é formado por 538 eleitores. O colégio eleitoral elege o presidente dos Estados Unidos, depois das eleições gerais que ocorrem simultaneamente em todos os 50 estados da federação e no Distrito de Colúmbia. A eleição presidencial no Brasil é direta, ou seja, cada voto é contado diretamente para definir o resultado. Nos Estados Unidos a eleição é indireta: os eleitores escolhem o colégio eleitoral e é o colégio eleitoral que elege o presidente.
Com exceção do Nebraska e do Maine, a eleição norte-americana adota a prática “Winner takes all” (o vencedor leva tudo), na qual o candidato com maioria de votos fica com todas as vagas relativas ao estado. . Ou seja, o candidato que fizer mais votos na Califórnia conquista todas as 55 vagas do estado no colégio eleitoral. Augusto Naftali explica que isso faz com que exista uma eleição diferente em cada estado.
“Sendo assim, existem 51 diferentes eleições com resultados independentes em cada estado e é a justaposição desses resultados que forma o colégio eleitoral e escolhe o presidente dos Estados Unidos.”
Para ganhar a eleição e ser nomeado presidente dos Estados Unidos, o candidato precisa ter o apoio de no mínimo 270 eleitores no colégio eleitoral. Na eleição de 2020, Joe Biden conquistou 306 eleitores enquanto Donald Trump ganhou 232.
Nas eleições dos EUA existem dois tipos de estados: aqueles que são sólidos do Partido Democrata e os que são sólidos do Partido Republicano. Existe, também, uma terceira categoria, chamada swing states, que representam estados competitivos em que os dois partidos têm chances de ganhar.
Os estados da Califórnia e Nova Iorque são dois estados sólidos do Partido Democrata, nos quais uma vitória republicana é muito pouco provável. Já o Partido Republicano é sólido em pequenos estados e no Texas, por exemplo. Os partidos políticos acabam não investindo muito nesses estados durante a campanha eleitoral, pois é muito difícil ultrapassar o partido dominante. O professor Augusto explica ainda que durante a eleição o investimento partidário se concentra nos swing states, pois é neles que a eleição é definida.
“Nestas eleições os principais swing states devem ser os do “cinturão da ferrugem” – Michigan, Pensilvânia e Wisconsin. Eram estados favoráveis ao Partido Democrata, mas desde a eleição de Donald Trump, em 2016, tornaram-se estados competitivos. Georgia e Arizona são outros estados que podem ser decisivos em 2024. Alguns estados tornaram-se menos competitivos nos últimos anos, como Flórida e Ohio, nos quais uma vitória democrata tornou-se menos factível. O Texas, que tem um peso muito importante no colégio eleitoral, costuma ser disputado pelo Partido Democrata, mas tem se mantido solidamente republicano.”
O dia da eleição nos Estados Unidos acontece sempre na primeira terça-feira depois do dia primeiro de novembro e, em 2024, será no dia 5. No entanto, os cidadãos têm a possibilidade de votar antecipadamente, como explica o professor de Relações Internacionais da PUCRS e, cada estado dos EUA, pode definir quais as regras dessa votação (que tem o mesmo peso daquelas que são feitas no dia 5 de novembro).
“Alguns estados podem adotar formas de votação antecipada, por exemplo, pelo correio ou por meio de urnas instaladas em espaços públicos nos quais os eleitores podem depositar os votos antes do dia da eleição. O peso do voto é o mesmo. Cada estado possui suas próprias regras sobre a forma e os prazos nos quais esses votos antecipados podem ser aceitos. A prática existia anteriormente, mas foi difundida em função da pandemia de Covid-19. A votação por correspondência trouxe complexidade adicional para as eleições nos Estados Unidos.”
Nos Estados Unidos, cada estado define o seu próprio sistema de votação e contagem dos votos. Existem estados que empregam urnas eletrônicas e outros a votação manual em cédulas de papel. A contagem também pode ocorrer manualmente, por leitura humana, ou pode empregar alguma automatização.
“Este sistema gera muita preocupação e insegurança, pois alguns estados demoram para divulgar os resultados. Como recontagens também são frequentes, alguns estados podem demorar semanas para divulgar os resultados oficiais finais”, salienta o professor.
Conforme os resultados das sessões vão sendo divulgadas pela Justiça, a imprensa começa a projetar o vencedor. O anúncio final será feito apenas no dia 6 de janeiro do próximo ano pela vice-presidente Kamala Harris e o candidato escolhido toma posse no dia 25 de janeiro de 2025.
Como a eleição começa com as primárias em janeiro e só termina em novembro, todo o processo eleitoral impacta diretamente na vida da sociedade norte-americana e também em outros países da Europa e América Latina.
“O resultado da eleição possui um grande e profundo impacto sobre o governo, a sociedade e a economia do país. Portanto, é natural que os grupos de interesse se mobilizem para apoiar e financiar as candidaturas preferidas”, finaliza o professor.