Nas 22 principais regiões metropolitanas do Brasil vivem mais de 80 milhões de pessoas, o que significa aproximadamente 40% da população do País. Ao longo da pandemia, a forte queda da renda do trabalho nessas regiões fez com que os mais pobres perdessem quase um terço (32%) de seus rendimentos até o terceiro trimestre de 2020. Como resultado, a desigualdade alcançou um novo patamar, e a renda dos mais ricos chegou a ser 37 vezes maior que as dos mais pobres. Passado o momento mais agudo da pandemia, alguns indicadores vêm melhorando lentamente nos últimos trimestres, enquanto outros seguem tendência de piora.
As conclusões estão na sétima edição do Boletim – Desigualdade nas Metrópoles, produzido em parceria pela PUCRS, o Observatório das Metrópoles e a Rede de Observatórios da Dívida Social na América Latina (RedODSAL). Os dados são provenientes da PNAD Contínua trimestral, do IBGE, e dizem respeito à renda domiciliar per capita do trabalho, incluindo o setor informal.
De acordo com o estudo, a média de rendimentos segue comportamento de queda, alcançando no quarto trimestre de 2021 o pior nível de toda a série histórica, iniciada em 2012: R$ 1.378,35. Segundo os dados levantamento, a renda média per capita do trabalho dos 40% mais pobres, que estava em R$ 195 no quarto trimestre de 2020, subiu para R$ 239 no quarto trimestre de 2021. Ao mesmo tempo, a renda dos 10% mais ricos caiu de R$ 6.917 em 2020 para R$6.424 em 2021.
Já a desigualdade, mensurada através do coeficiente de Gini – que varia de 0 até 1, sendo mais alta quanto maior for a desigualdade –, vem apresentando tendência de melhora. No quarto trimestre de 2021 o valor do Gini foi de 0,602, o mesmo registrado no primeiro trimestre de 2020, logo antes de serem sentidos os efeitos da pandemia, indicando uma reaproximação dos índices de desigualdade aos valores pré-pandêmicos.
O quadro de queda dos rendimentos junto à redução das desigualdades é fruto de dois movimentos distintos. Segundo Andre Salata, professor da PUCRS e um dos coordenadores do estudo, “no início da pandemia foram os mais pobres que perderam proporcionalmente mais; agora, nos últimos trimestres, enquanto a renda dos mais pobres vem se recuperando, a renda dos mais ricos tem sofrido quedas expressivas. O resultado disso é, primeiro, uma redução das ainda enormes distâncias entre ricos e pobres; e segundo, uma queda da média geral de rendimentos, puxada pelos mais ricos”.
Marcelo Ribeiro, professor do IPPUR-UFRJ e também coordenador do estudo, explica que a recuperação do nível de renda dos mais pobres se deve à retomada de suas atividades econômicas no mercado de trabalho.
“Essa retomada ocorreu, em muitas situações, em atividades informais, impulsionada pelo avanço da vacinação no País, mas ainda insuficiente para recuperar o nível de renda no período anterior à pandemia. Por outro lado, a queda do nível de renda dos 10% mais ricos tem a ver com a estagnação econômica que acaba afetando os empregos de maior renda, principalmente porque passa a ter maior oferta de mão-de-obra do que demanda realizada pelas empresas”.
Ainda segundo Ribeiro, o nível elevado da inflação sem dúvida colabora para a perda de renda dos mais ricos e, também, para que a recuperação da renda dos mais pobres não seja maior.
No entanto, é importante ressaltar que depois de mais de dois anos do início da pandemia, os mais pobres ainda não conseguiram recuperar o patamar de renda do começo de 2020. Hoje, seus rendimentos médios ainda são 8,9% menores em relação ao patamar imediatamente anterior à pandemia.
“Estamos falando de milhares de famílias cujos rendimentos do trabalho, que já eram insuficientes, estão há dois anos enfrentando uma situação de perda de renda. Quanto mais tempo ficam nessa situação, maior a vulnerabilidade”, destaca Salata.
No contexto dessas famílias, o estudo mostra que um dos grupos mais afetados são as crianças. No quarto trimestre de 2021, 26,7% das crianças de até 5 anos de idade em nas metrópoles viviam em lares com rendimentos do trabalho inferiores a ¼ do salário-mínimo per capita. No auge da pandemia esse percentual chegou a 32,2%.
Em 2013, no entanto, o percentual era de 19%, sendo este o menor valor da série histórica. Em termos absolutos, temos hoje 1,6 milhões de crianças nessa situação no conjunto nossas regiões metropolitanas, o que é um número maior que o da população total de regiões metropolitanas como as de Natal, João Pessoa, Maceió e Florianópolis, entre outras.
Segundo Ribeiro os dados são muito preocupantes. “Estudos mostram que a vulnerabilidade econômica na primeira infância prejudica o desenvolvimento cognitivo, o aprendizado e, consequentemente, o rendimento escolar. No longo prazo, estamos falando de barreiras à expansão do capital humano no país e, portanto, ao crescimento econômico sustentado”.