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Literatura hispânica no Fronteiras do Pensamento

terça-feira, 23 de outubro | 2018

Javier Cercas, Fronteiras do Pensamento

Cercas tratou do ponto cego no romance, que dá vazão a verdades ambíguas/Fotos: Luiz Munhoz

Na noite de segunda-feira (22 de outubro), os escritores Javier Cercas e Alejandro Zambra foram os convidados do Fronteiras do Pensamento. O tema central das duas apresentações foi a literatura, suas definições e magia, a identidade como autores e a necessidade de não se calar, visto que ambos vêm de países marcados por ditaduras.

Traduzido em mais de 30 idiomas, o espanhol Cercas acredita que um romance genial carrega uma ambiguidade permanente e tem como legado ser “um antídoto contra a visão totalitária e dogmática do mundo”. As lacunas deixadas pelo escritor convidam o leitor a encontrar um labirinto e entrar a fundo em um território que só esse tipo de texto pode explorar. “O livro é uma partitura que cada um interpreta à sua maneira.”

Cercas citou três clássicos que perduram no tempo: Dom Quixote de La Mancha, de Miguel de Cervantes, Moby Dick, de Helman Melville, e O processo, de Franz Kafka. Em comum, trazem perguntas que levam a respostas contraditórias, gerando mais complexidade. Afinal, Dom Quixote era louco? Por que Ahab está obcecado pela baleia branca, Moby Dick? Qual crime baseia o processo de Josef K.?

Javier Cercas, Fronteiras do Pensamento

Espanhol crê que bom político é o oposto do bom escritor

O mesmo ponto cego que é o centro do romance moderno aparece no premiado registro histórico Soldados de Salamina. Na obra, Cercas conta o episódio de 1939, no final da Guerra Civil Espanhola, em que Rafael Mazas escapou da morte em um fuzilamento coletivo. Por que foi poupado pelo soldado que o encontra depois? Teórico da Falange Espanhola, Mazas seria mais tarde ministro do ditador Franco.

“O bom político reduz os problemas, resolvendo-os. O bom escritor enfrenta as questões, complicando-as. O genial cria problemas onde não havia. Complicando a vida, a enriquece”, percebe Cercas.

Prosa com traços de poesia

Alejandro Zambra, Fronteiras do Pensamento

“Há um abismo entre fala e escrita no Chile”, avalia Zambra

Zambra começou referindo Cercas como um dos escritores que mais admira, “um péssimo político”. A estreia de sua carreira foi como poeta, para ele, um mito chileno. “Temos dois campeonatos mundiais e a Argentina nenhum”, brincou com a plateia, referindo-se a Pablo Neruda e Gabriela Mistral, que conquistaram o Prêmio Nobel de Literatura. “Não que as pessoas lá estejam escrevendo por todo lado, mas é algo plausível.”

Passou para a prosa em um momento de ceticismo e solidão em que nenhuma busca fazia sentido e, ao mesmo tempo, não podia renunciar à luta. De Clarice Lispector segue o conselho de desconfiar do texto. “No Chile há um divórcio entre o falado e o escrito. Muitas frases não podem estar no papel.” Zambra vê o romance como “o eco de um poema reprimido”. “Poetas chilenos se esqueceram de Neruda, mas nós, narradores, não.”

Na sua casa recebiam como brindes coleções de livros, divididas por cores. “Crescemos lendo os chilenos mortos, pois o restante estava no exílio”, conta Zambra, lembrando o período Pinochet. A partir dos anos 90, liam chilenos como estrangeiros e vice-versa. Zambra acredita que a literatura é pessoal e nacional, uma falha, uma luta.

Brasil, democracia e literatura na escola

Javier Cercas, Alejandro Zambra, Sergius Gonzaga, Fronteiras do Pensamento

Mediados por Sergius Gonzaga (C), escritores abordaram a situação brasileira

No final do evento, o mediador Sergius Gonzaga reuniu perguntas em torno do tema democracia e situação brasileira. Aos gritos de #elenão, vindos da plateia, Cercas demonstrou preocupação com as eleições presidenciais, lembrando que o país não está distante do que ocorre no ocidente, a exemplo da ascensão de Donald Trump nos EUA. “O nacional-populismo é uma máscara pós-moderna do totalitarismo dos anos 30. A história não se repete. Nós repetimos nos erros. A busca de líderes carismáticos e de culpados entre mexicanos, árabes. Não estamos conscientes dos riscos à democracia.” Zambra disse não poder crer que “alguém a favor da ditadura e contra minorias sexuais vença”.

Respondendo a outro questionamento do público, Cercas vê o termo “leitura obrigatória” como contraditório. “Ler é um prazer. Daria Júlio Verne e Stevenson para um jovem de 15 anos e não Dom Quixote.” Causou risos na plateia ao dizer que essa obra prima não ganharia o Prêmio Cervantes, pois na época era “de segunda categoria”, reforçando que literatura é entretenimento. “Não é para gente séria e professores, é para o povo.”

Zambra recomenda que os docentes escolham livros que não conheçam. “Não devem ter medo de horizontalizar o assunto, permitir o diálogo.”

Parceria cultural

A PUCRS é parceira cultural do evento. Professores, técnicos administrativos, mestrandos, doutorandos e Alumni (diplomados) da Universidade contam com 50% de desconto no pacote de ingressos para as conferências, abatimento válido também para um acompanhante. Os diplomados, para terem acesso ao valor diferenciado, devem portar a carteira Alumni na hora da compra. Informações sobre as carteiras podem ser obtidas pelos contatos da Rede Alumni. Estudantes de graduação têm meia-entrada, se portarem carteira de identificação estudantil, conforme legislação.

Para reservar (no máximo dois ingressos), é preciso ligar para o telefone (51) 4020-2050 ou enviar um e-mail para [email protected], informando nome completo, telefone e modalidade de desconto. O pagamento e a retirada das entradas são feitos no dia da conferência, na bilheteria do Salão de Atos da UFRGS.

A próxima conferência do Fronteiras do Pensamento, em 19 de novembro, terá um novo debate especial com o cientista político e historiador Mark Lilla e o filósofo Luiz Felipe Pondé. O evento ocorre no Salão de Atos da UFRGS (Av. Paulo Gama, 110), às 19h30min. O mundo em desacordo: democracia e guerras culturais é o tema da temporada de 2018.