“Sou um filósofo sem sê-lo. Um sociólogo sem sê-lo. Sou um híbrido. Aprendo todos os dias lendo especialistas”. Assim Gilles Lipovetsky, filósofo francês recém integrado à PUCRS como Doutor Honoris Causa, descreveu a si mesmo, como um “aglutinador de pensamentos modernos”. Mas quem o conhece, estuda as suas obras ou assiste a uma de suas apresentações sabe que essa descrição está incompleta. A cerimônia em sua homenagem, ocorrida nesta quinta-feira, 19, no auditório do prédio 9, transformou-se em uma verdadeira aula proferida pelo personagem central do 13º Seminário Internacional de Comunicação, promovido pelo Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social da PUCRS (PPGCom) ao longo dessa semana.
Presidido pelo Vice-Reitor, Evilázio Teixeira, no exercício da Reitoria, o evento foi prestigiado por autoridades universitárias, professores, estudantes e participantes do Seminário que está em curso na Faculdade de Comunicação Social. O professor do PPGCom Juremir Machado da Silva abriu os discursos ao proferir o laudatio em reconhecimento o homenageado. Ele lembrou a longa relação entre o pensador e a PUCRS, remontando aos anos 1990, em encontros e eventos sempre marcados pela “seriedade, a simpatia e o gosto pelo diálogo”, características inatas do professor francês. Citou que “o olhar generoso de Gilles Lipovetsky desvenda por trás dos discursos reiterativos sobre as crises a força da vida, o desejo de novas interações e relacionamentos, o combate aos preconceitos, a abertura à diferença e a busca de respeito à diversidade”. Juremir complementou sua fala dizendo que “o amor ao saber, a tolerância e a diversidade aproximam o filósofo francês e a PUCRS”.
Ao iniciar seu discurso, Lipovetsky questionou-se sobre o fato de poder estar sendo objeto de sua própria pesquisa, sobre o narcisismo, ao receber o título de Doutor Honoris Causa. Porém, refletiu que esse é um reconhecimento por sua carreira, promovida pelo meio acadêmico, e não uma autopromoção de imagem. Segundo ele, “manter esse tipo de tradição significa que somos filhos desse passado, desse legado milenar”. A respeito de sua atuação, disse fazer “uma filosofia social do presente, que procura compreender as tensões, os dilemas e os paradoxos de nossa época”. Ele acredita que “no nosso mundo, o mais importante para os intelectuais não é julgar. A tarefa deles é essencialmente compreender, para melhor ajudar a agir”.
Em referência aos recentes atos de terror que acometeram a França, o jihadismo e outras práticas de intolerância, afirmou que “o pensamento precisa se tornar uma arma para denunciar esse tipo de prática estabelecida hoje. A indignação pode ser compartilhada, mas não basta. Precisamos de luzes para ir além da fase emocional, para construirmos um futuro diferente”.
A manifestação do Vice-Reitor foi aberta com palavras de solidariedade ao povo francês e de inconformidade com os ataques de extremistas a Paris. Lembrou, ao dirigir-se ao homenageado, da origem francesa dos Irmãos Maristas, sob a liderança do então jovem Marcelino Champagnat, há mais de dois séculos.
Sobre Lipovetsky, referiu-se aos estudos em que ele trata do consumismo atual, “tentando entender a ambiguidade de uma época em que a felicidade é valor máximo, mas carrega consigo inúmeras aflições do espírito”. Disse que o filósofo “propõe a reavaliação da formação do indivíduo, com vistas ao fortalecimento da autonomia e da crítica, para que possa resistir à sedução da publicidade e do espetáculo”. Encerrou, citando que “a análise feita por Gilles, demonstra que vivemos numa sociedade paradoxal, que não se equilibra facilmente entre o materialismo e a espiritualidade”.
Sobre a obra de Lipovetsky
O filósofo francês Gilles Lipovetsky, teórico da hipermodernidade, é professor da Universidade de Grenoble, na França, e autor de obras como A Era do Vazio, O Luxo Eterno, O Império do Efêmero, A Felicidade Paradoxal: ensaio sobre a sociedade do hiperconsumo, entre outras.
No livro A Era do Vazio, por exemplo, analisa a sociedade pós-moderna, marcada, segundo ele, pelo desinvestimento público, pela perda de sentido das grandes instituições morais, sociais e políticas. O professor também é crítico em relação a cultura cotidiana, da mídia, do consumo, da publicidade, que considera amplamente dominada pelo bem-estar individual, pelo lazer, o interesse pelo corpo, os valores individualistas do sucesso pessoal e o dinheiro.
O título
O título de Doutor Honoris Causa é o maior reconhecimento acadêmico de uma universidade, concedido a personalidades que se distinguem pelo saber ou pela atuação em prol das artes, das ciências, da filosofia, das letras ou do melhor entendimento entre os povos.