O escritor e jornalista angolano José Eduardo Agualusa traz em sua fala e obras um clamor pelo desenvolvimento pessoal e cultural a partir da literatura. Pessoal, por promover o exercício da alteridade, da empatia, levando os personagens (e o leitor) a se colocarem no lugar do outro. Cultural, pelo incentivo às bibliotecas e o acesso aos livros, mesmo em ambientes digitais, como agentes de transformação social. Na palestra proferida na noite de 6 de agosto, durante o Fronteiras do Pensamento, no Salão de Atos da UFRGS, ele reforçou seu modo de ver o mundo e, especialmente, seu país de origem. “Acredito que a leitura pode mudar o mundo. Acredito que a literatura tem o poder de melhorar a cultura do meu país, Angola”, afirmou. Criador de obras ficcionais contextualizadas em fatos históricos, o autor tem na memória, nos próprios sonhos e na sua nação as inspirações para escrever livros de poesia e ficção.
Compreender o trabalho de Agualusa requer um pouco de conhecimento sobre a história de Angola e do continente africano. Para familiarizar a plateia, ele relatou parte desses eventos, como o processo de independência em relação a Portugal, antigo colonizador, iniciado em 1961. Citou que a partir das décadas de 1940 e 1950 emergiu uma classe de intelectuais que passou a fazer das letras a sua arma em nome pela libertação do país, que só se confirmaria no ano de 1974, com o fim do regime ditatorial de Salazar à frente do governo português. Mesmo assim, os movimentos separatistas vigentes passar a conflitar entre si, protagonizando muitas mortes e sofrimento na disputa por poder. É desse cenário que surge o trabalho de Agualusa, bem como sua motivação por disseminar a cultura dos livros.
“Todos deveriam ter acesso ao livro como deveriam ter acesso à água potável”
O escritor defende que “a leitura de ficção é um exercício de alteridade, pois desenvolve empatia e nos aproxima do outro”. Na opinião do angolano, que vê os livros como pontes, ditadores e torturadores não costumam ler ficção. Se o fizessem, pensariam e agiriam de forma diferente. Sarcástico e bem-humorado, ele arrancou risos dos ouvintes ao dizer que “é impossível imaginar Trump lendo o que quer seja. Pessoas como ele deveriam ir para campos de reeducação literária”, alfinetou.
A respeito do continente africano, explicou que a cena literária contemporânea tem mostrado para o mundo um outro perfil da região, narrado pelos protagonistas locais, diferente do ponto de vista colonialista. “A moderna literatura africana revela otimismo, apesar das dificuldades enfrentadas. Ironia, alegria, paixão pela vida também são características da literatura angolana”, ponderou.
“Meu maior sonho é que em Angola se criem bibliotecas por todo o país”
Militante cultural, Agualusa defende que “o livro, esse gentil agente subversivo, nunca irá se calar”. Em sua apresentação, também citou o caso do rapper e ativista angolano Luaty Beirão, preso com outros 14 jovens, em 2015, por estar lendo o livro Da ditadura à democracia, do pacifista americano Gene Sharp. A detenção, bem como a greve de fome, forma de protesto adotada pelo músico, repercutiu internacionalmente. À época, todos estavam reunidos em uma livraria, e foram acusados de conspirar para derrubar o então presidente José Eduardo dos Santos, que estava no poder desde 1992. No final de 2017, o país passou a ter João Lourenço na Presidência.
“O sonho é muito importante no meu processo de escrita. Sonho muito. Sonho com roteiros, com títulos de livros e personagens”
Agualusa também comentou e respondeu a perguntas sobre suas obras Sociedade dos sonhadores voluntários, marcada por críticas ao regime político angolano, e Teoria geral do esquecimento, para a qual foi indicado como um dos finalistas do Prêmio Man Booker. Ao ser questionado sobre o tema da memória e os resgates que faz nas páginas de seus livros, concluiu que “talvez o passado não mude, mas a forma como nós o interpretamos muda, e isso se deve, em boa parte, à literatura”.
Agualusa é um dos mais importantes escritores em língua portuguesa da atualidade. Sua obra foi traduzida para mais de 25 idiomas. É autor de romances, contos, novelas, livros infantis e peças de teatro. Sua estreia ocorreu, em 1988, com A conjura, romance que lhe valeu o Prêmio Sonangol Revelação de Literatura de Angola. Seus livros percorrem muitas realidades, mas estão mais centrados em personagens do que em lugares. Também publicou Nação crioula, vencedor do Grande Prêmio de Literatura RTP, Fronteiras perdidas, Barroco tropical, e O vendedor de passados, que ganhou o Prêmio Independente de Ficção Estrangeira do jornal The Independent. Em 2017, venceu o Dublin Literary e, com o prêmio em dinheiro recebido, pretende instalar uma biblioteca pessoal na Ilha de Moçambique, aberta aos habitantes do local.
A PUCRS é parceira cultural do evento. Professores, técnicos administrativos, mestrandos, doutorandos e Alumni (diplomados) da Universidade contam com 50% de desconto no pacote de ingressos para as conferências, abatimento válido também para um acompanhante. Os diplomados, para terem acesso ao valor diferenciado, devem portar a carteira Alumni na hora da compra. Informações sobre as carteiras podem ser obtidas pelos contatos da Rede Alumni. Estudantes de graduação têm meia-entrada, se portarem carteira de identificação estudantil, conforme legislação. Os pontos de venda de ingressos estão disponíveis em https://www.fronteiras.com/portoalegre/vendas.
A próxima conferência do Fronteiras do Pensamento será em 3 de setembro com o médico oncologista e escritor indiano Siddhartha Mukherjee. Ele escreveu O imperador de todos os males: uma biografia do câncer, obra vencedora do Prêmio Pulitzer, em 2011. O evento ocorre no Salão de Atos da UFRGS (Av. Paulo Gama, 110), às 19h30min. O mundo em desacordo: democracia e guerras culturais é o tema da temporada de 2018.