Ensino

Olivier Anquier fala sobre vida e empreendedorismo no meio gastronômico

segunda-feira, 09 de julho | 2018

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Foto: Camila Cunha

O cozinheiro Olivier Anquier, francês naturalizado brasileiro, desembarcou na noite de 6 de julho, na capital gaúcha, com seu carisma e um dom natural de contador de histórias para brindar, com seus conhecimentos, os alunos da Pós-Graduação em Gastronomia e Cozinha Autoral da PUCRS. A proposta do primeiro de dois encontros foi apresentar não apenas técnicas sobre A Riqueza da Cozinha Mediterrânea – tema desse módulo do curso, mas, principalmente, acerca dos aprendizados de vida e de empreendedorismo no ramo gastronômico acumulados desde quando adotou o Brasil como lar, em 1979.

Bem-humorado, Anquier abriu a conversa relatando a alegria por ver o selecionado de sua terra natal avançar na Copa do Mundo da Rússia e o alívio por não ter de enfrentar a Seleção Brasileira. Arrancou risos dos alunos e, ali, recebeu a senha para se conectar com todos a partir de sua história de vida. Sobre as raízes que o formaram ao longo do tempo, contou que compõe a terceira geração de padeiros da família, tendo aprendido o ofício com sua mãe, que até hoje, aos 78 anos, trabalha na própria padaria, aberta na década de 1980, em Sydney, na Austrália. “Meu pai era médico e também cozinhava. Fui criado em uma tradição que sempre viveu em busca dos prazeres e das emoções em todos os momentos que a culinária pode proporcionar”, relata.

“Eu não sou chef. Sou cozinheiro! Aprendi com os meus pais a familiaridade com a cozinha. Toda a base de lidar com panelas, ingredientes e frigideiras eu peguei em casa. Isso fica impregnado na gente.”

Início da carreira

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Foto: Camila Cunha

Sobre a trajetória profissional, resgatou diversas vivências que o trouxeram até o momento atual, de empresário bem-sucedido e apresentador de programas na TV em rede nacional, há 22 anos. “Saí de casa aos 16 anos, por iniciativa própria, queria explorar o mundo. Comecei trabalhando como vendedor de frutas e legumes em um mercado. Depois, fui para um restaurante belga, em Paris, onde passava horas limpando mariscos, um a um, com escovas de dente”, recorda.

A chegada ao Brasil, aos 20 anos, foi sua primeira aventura internacional. No Rio de Janeiro, apaixonou-se pela “maneira dos brasileiros de viver a vida, de forma positiva”, e decidiu ficar. Por não dominar a língua, um amigo arranjou-lhe o trabalho de modelo fotográfico, no qual atuou até 1989. Depois desfilar por passarelas em vários países, comprou uma camionete Rural e saiu rodando pelo litoral, desde o Rio de Janeiro até Jericoacoara, no Ceará, onde abriu seu primeiro restaurante, o Aloha. Interagiu com o povo local, encarou algumas resistências e aprendeu lições que considera valiosas para todos. “Precisamos nos colocar sempre no lugar do outro, na altura do outro, para aprender a riqueza das relações e do lugar onde estamos. Isso é muito importante quando vamos servir as pessoas”, assegura.

“A culinária melhora quando sai do topo da sociedade e chega às camadas mais baixas da população, permeando a vida das pessoas.”

Olhar empreendedor

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Foto: Camila Cunha

Após dois anos de Aloha, fechou as portas e mudou-se para Florianópolis (SC), onde percebeu que não havia, no início dos anos 1990, um restaurante dedicado à cozinha mediterrânea, apesar de a cidade ser o principal fornecedor de ostras o País. “Trabalhei muito em uma cozinha aberta, no meio do restaurante. É um show, mas se você não está lá, as pessoas não têm a mesma percepção”, revelou. Depois de dois anos intensos e desgastantes, resolveu ir para São Paulo e se reconectar com as próprias origens. Na capital, após analisar o cenário favorável, abriu a primeira padaria francesa. Consultou moinhos de todo o Brasil, preparou “pães perfeitos” e serviu aos moradores do prédio onde morava, para ouvir a opinião deles.  “O que é isso, Olivier? Esse pão é duro. Parece uma arma!”. Naquele momento, compreendeu que seu paladar francês diferia muito dos hábitos dos brasileiros. Então, adaptou os produtos da Pain de France ao gosto de sua clientela, mas com seu toque pessoal. Esse foi o trabalho que o projetou nacionalmente, garantindo amplo espaço na mídia.

“Faltava às pessoas acumular referências (gustativas). Elas não estavam habituadas à variedade. De 1994 para cá, com a estabilidade econômica, as pessoas passaram a consumir mais e melhor”, reflete Olivier. Hoje, com outra padaria, ele serve os pães com a receita original francesa, rechaçada pelas pessoas lá em 1995. Aos alunos, explicou mais duas lições fundamentais sobre alimentação e negócios. “Você tem que entender a quem você vai servir para oferecer o melhor. O empresário é a pessoa que deve saber educar a sua clientela”, recomenda.

“Estou, com prazer, nos meus negócios todos os dias. Começo pela padaria, onde chego às 5h30min da manhã. É ali que boto a mão na massa. Depois, vou a todos os restaurantes, e passo de mesa em mesa para saber com os clientes como estão os pratos e como estão se sentindo.”

Aprender ao ensinar

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Foto: Camila Cunha

A profissão de padeiro projetou não só a Olivier, que estrelou reality shows culinários nas principais emissoras brasileiras, abertas e por assinatura, e onde permanece até hoje, em paralelo com seus empreendimentos. Quem estava à sua volta também cresceu. Os então ajudantes de pedreiro e de marceneiro que o acompanharam por 7 meses nas obras da primeira boulangerie paulistana, ganharam uma oportunidade ao final daquela empreitada e, atualmente, são seus chefes de produção. “As pessoas reclamam que falta mão de obra especializada. Realmente falta, mas você deve estar disposto a prepará-la. Ensinar tudo a quem não sabe nada é muito trampo. Mas é aí que nós também aprendemos. A gratidão dessas pessoas nos transforma”, afirma empresário da gastronomia.

Outra recomendação do chef (a falta de formação específica não tira sua capacidade de deter esse título), é em relação à perseverança naquilo no qual se acredita. Como exemplo, cita o restaurante Esther Rooftop, situado no terraço do histórico Edifício Esther, no centro de São Paulo. Muitos tentaram demovê-lo da ideia, por considerar o bairro degradado e perigoso. Mas ele foi em frente, comprou algumas brigas e fez valer o perfil empreendedor. “Me perguntei: porque tudo é nivelado por baixo nessa parte da cidade? Vou criar um oásis e atender a um grande público que não recebe atenção e só tem ofertas de baixa qualidade ”, relata. Para obter sucesso “tem que ter muita confiança no seu taco, ser sincero e autêntico”, assinala.

“A culinária é um passaporte para mim. É uma forma de descobrir a essência dos lugares que conheço. Meu negócio é gente. É isso que me faz crescer!”

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Foto: Rosane Palacci

Ao final da aula, desafiou a todos perguntando quais eram os elementos que formavam “a regra de três de um bom restaurante”. Muitos deram palpites, alguns próximos, mas Anquier revelou aos pós-graduandos: “O Aconchego, o Serviço e o Prato. Isso é o que faz uma pessoa apreciar voltar a um restaurante. Um cliente não sai de casa para se alimentar. Ele vai porque é ou está carente. Ele quer algo que não tem em casa, e nós temos que saber oferecer isso”, ensina.

Sabores mediterrâneos

Na manhã de sábado, 7 de julho, o Auditório Pedagógico Cozinha Show foi perfumado pelos aromas das ervas que serviram de tempero para o camarão à provençal, acompanhado da salada niçoise, ambos preparados na segunda e última aula com o cozinheiro franco-brasileiro, para o aprendizado das técnicas da cozinha mediterrânea e o deleite dos pós-graduandos. Estudantes de todo o Brasil, presencialmente ou online, puderam, nesses dois dias, compreender muito mais sobre cozinha, empreendedorismo e empatia a partir da partilha de conhecimentos protagonizada por Olivier Anquier.