Em 1996, Ricardo Barberena assistiu a uma aula inaugural de Ariano Suassuna na UFRGS e relembrou o fato uma década depois por ocasião dos 80 anos do escritor nordestino em texto publicado no jornal Zero Hora. “O reino pedregoso de Suassuna” teria consequências jamais previstas pelo diretor do Instituto de Cultura da PUCRS e professor da Escola de Humanidades. “Passaram o artigo para Suassuna ler e ele me ligou dizendo que era um dos poucos textos que o emocionara sobre sua obra. Pediu autorização para que eu fosse um personagem de seu próximo livro e aceitasse prefaciá-lo”, conta Barberena, que logo se impressionou com a simplicidade do escritor. Encontraram-se em 2009 na PUCRS, durante o Congregarh, evento sobre gestão de pessoas, e ficaram mais de duas horas conversando. Começava aí uma amizade entre o autor do clássico O Auto da Compadecida e o professor de Teoria Literária.
Eis que em 2017 foi lançado o livro póstumo A Ilumiara – Romance de Dom Pantero no Palco dos Pecadores e Barberena assina o posfácio. Aparece como um professor que assiste a uma aula-espetáculo e escreve para o Jornal de Caruaru exaltando o “Quixote sertanejo”, que hipnotizou uma plateia de quase 2 mil pessoas “com a sua técnica de encantação que remonta aos primórdios da expressão literária – a Arte oral de narrar histórias”. As linhas, originalmente publicadas em Zero Hora, tiveram uma única mudança pedida por Suassuna. Trocar “um escritor que carrega no olhar a ternura de um palhaço felliniano” por “chapliniano”. Preferia se identificar com Charles Chaplin do que com Federico Fellini.
Escrito durante 33 anos, o livro tem mais de mil páginas, divididas em dois volumes: O jumento sedutor e O palhaço tetrafônico. Chamado por Suassuna de autobiografia musical, dançarina, poética, teatral e vídeo-cinematográfica, tem como personagens o próprio autor e pessoas que encontrou ao longo da vida, familiares, amigos e críticos literários. “Devo fazer a todos a mesma advertência que José de Alencar colocou num dos seus livros: ‘Sou Eu o assunto deste Drama. É provável que muita gente aqui se visse atraída pelo título. Mas isto aqui não é Jornal, nem Auto, nem sermão de Igreja. Não há, nele, nem Gaitas nem Zabumbas. Portanto, quem não gostar de insipidez, acertará evitando a leitura”, avisou.
Lançado pela Editora Nova Fronteira, traz ilustrações de Suassuna, uma caligrafia criada por ele inspirada na marca de gado sertanejo e conta com prefácio de Carlos Newton Júnior, especialista em sua obra.
Barberena participou da aula-espetáculo, no Recife (Pernambuco), para o lançamento de Romance de Dom Pantero, ao lado de Manuel Dantas Suassuna, filho de Ariano, Esther Simões, neta, e Newton Júnior, que nos últimos sete anos de vida do mestre e amigo digitalizou os manuscritos e coordenou a edição. Na oportunidade, Barberena visitou a casa de Suassuna, repleta do universo de suas obras. Haverá outros eventos no Rio de Janeiro e em São Paulo.
Ariano Suassuna morreu aos 87 anos, em 23 de julho de 2014. Nasceu em Nossa Senhora das Neves, na Paraíba, mas a família se mudou para o Recife quando tinha 11 anos. Membro da Academia Brasileira de Letras, escreveu a mais importante obra do teatro brasileiro, O auto da Compadecida. Outra obra que lhe deu renome nacional e internacional foi o Romance d’A Pedra do Reino. Romancista, ensaísta, dramaturgo, professor e advogado, teve sua produção marcada pelo conhecimento da cultura nordestina.
Foi o idealizador do Movimento Armorial, lançado no Recife em 1970, para realizar uma arte erudita brasileira a partir das raízes populares da nossa cultura, segundo ele mesmo definiu. Com sua atuação na Secretaria de Cultura de Pernambuco, deu vida a aulas-espetáculo, percorrendo todo o estado com o Circo da Onça Malhada, levando músicos, bailarinos, cantores, cantadores e violeiros. De vermelho e preto, ele mesmo experimentou o personagem Dom Pantero, encantando plateias com seus causos imaginativos.