Pelo menos 40% dos casos de trabalho escravo no Brasil são maranhenses. O município de Açailândia concentra o maior número de pessoas nessa situação. O local foi alvo de pesquisa para a tese da jornalista Flávia de Almeida Moura, professora da Universidade Federal do Maranhão (UFMA), que participou do projeto de Doutorado Interinstitucional (Dinter) com a PUCRS. O trabalho, realizado em parceria com o Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social, foi concluído em três anos por ter um estudo de campo avançado. Analisa como trabalhadores rurais egressos da escravidão se apropriam das representações do escravo na mídia utilizando o telejornalismo como recorte.
A proposta da tese de Flávia, orientada pela professora Juliana Tonin, foi entender como os egressos percebem a sua presença na mídia, por meio da seleção de sete reportagens exibidas na Globo, Record, SBT e Bandeirantes, entre 2009 e 2013. O exercício foi mudar o lugar de fala desses trabalhadores, colocando-os na posição de produtores das notícias.
O cuidado ético para não identificação foi o principal contribuinte para conseguir depoimentos tão ricos. “As visitas tiveram o apoio do Centro de Defesa, porque é um local de grande conflito de terras, com capangas, jagunços. Eles precisavam acreditar que eu era uma pesquisadora”. Para Flávia o maior ganho foi esse contato e poder repensar a produção midiática na construção do imaginário pessoal. “Temos de lembrar que não são personagens nas nossas matérias, são pessoas”.
De acordo com o relatório Perfil dos principais atores envolvidos no trabalho escravo rural no Brasil, publicado em 2011, pela Organização Internacional do Trabalho, quem foi submetido a essas condições no País, nos últimos anos, são predominantemente homens adultos, negros e com idade média de 31,4 anos. Ainda, pelo menos 79% já tinham ouvido falar sobre o tema na mídia, sendo que, pelo menos 44% por meio de TV e 35% pelo rádio.
A pesquisadora escolheu entrevistar produtores de carvão, trabalhadores de fazendas de gado, de monocultura da soja e de plantações de eucalipto. Em geral, filhos ou netos de produtores rurais que foram expulsos dos locais de origem por conta dos processos históricos. Em comum, eles têm a falta de escolaridade e qualificação profissional que agravam sua situação. Em período de intenso trabalho rural, recebiam as informações da mídia de forma indireta, através de parentes ou amigos.
Quando questionados, se se viam como escravos, a resposta inicial é negativa. A primeira ideia está ligada ao imaginário sobre escravidão no período do Brasil colonial. “A gente não vive acorrentado nessa escravidão atual, mas é pior que o escravo negro dos tempos antigo…”, relata um dos entrevistados.
A maioria demonstrou entender os mecanismos de subjugação, alegando fazer parte desse contexto por necessidade e não por falta de informação ou por ter sido enganada. A humilhação e o medo são fatores subjetivos encontrados nas suas falas. Fatores que vão além da falta de infraestrutura ou ainda da ausência de pagamentos de salários.
“Surpreendente foi notar que as condições físicas foram menos importantes que a subjugação”, conta Flávia. Os trabalhadores lembram que o conjunto de situações que levam a situação de trabalho escravo não é citado nas reportagens. “Para ele, as condições sub-humanas como espaço, higiene, moradia, são menos importantes do que a questão da dignidade e da honra”, enfatiza. A pesquisadora evidenciou que a violência simbólica, não caracterizada nas passagens televisivas, é destacada. “A coerção pelo gerente da fazenda, a figura do aliciador que usa da sua força são passagens pouco lembradas e só mesmo pessoas que passam por isso para abrir nossos olhos”, explica.
Leia mais na página 16 da Revista PUCRS nº 177 (novembro-dezembro/2015)