Confira na íntegra o artigo do reitor da PUCRS, Ir. Manuir Mentges*
segunda-feira, 05 de maio | 2025A morte do Papa Francisco representa o fim de um ciclo histórico e, ao mesmo tempo, o florescimento de um legado que atravessa gerações. Sua liderança foi mais do que institucional: foi uma expressão viva do Evangelho encarnado. Francisco não apenas ocupou a cátedra de Pedro; ele a desceu, inclinando-se diante da humanidade ferida, oferecendo cuidado, escuta e esperança. Foi, por excelência, um líder servidor e profético.
Desde o início de seu pontificado, Francisco imprimiu um novo estilo de condução eclesial, rompendo com formalismos e centralidades autorreferentes. Sua liderança, inspirada em Jesus de Nazaré, colocou a pessoa humana no centro. Liderar, para Francisco, é servir: é caminhar junto, ouvir antes de falar, cuidar antes de julgar. Trata-se de uma liderança que se aproxima das dores do mundo e, a partir delas, denuncia injustiças, convoca à solidariedade e anuncia caminhos de transformação.
Essa postura se refletiu de forma contundente em sua visão sobre a educação. Francisco compreendeu como poucos que a educação é chave para qualquer mudança duradoura. Em sua proposta do Pacto Educativo Global, convocou governos, famílias, escolas, universidades e religiões a unirem esforços na formação de sujeitos integrais, conscientes, solidários e comprometidos com o bem comum. Para ele, educar é um ato de esperança. Mas uma esperança ativa, encarnada, que transforma realidades e humaniza relações.
Inspirado por uma profunda espiritualidade cristã, Francisco nos recordava que “a pessoa, para se sentir pessoa, tem que pensar, sentir e agir”. Essa articulação entre mente, coração e mãos sintetiza sua proposta de uma educação integral, que vá além do saber técnico e toque a dimensão ética, espiritual, social e afetiva da existência humana. Como lembra o magistério da Igreja, educar à luz da fé cristã é promover dinâmicas de comunhão, nas quais o encontro é condição indispensável à aprendizagem e à maturação pessoal.
É também nesse horizonte que a universidade católica é desafiada a ser sinal de profecia e serviço. Em um mundo marcado por fragmentações e por uma lógica tecnocrática que frequentemente ignora a dignidade humana, o ensino superior deve recuperar sua vocação originária: formar para a verdade, para a fraternidade e para o cuidado. Como expressa a Constituição Apostólica Veritatis Gaudium, a missão universitária é inseparável do compromisso com o bem comum, com o diálogo entre fé e razão, e com o cultivo de uma ecologia integral — marcas fortes do pensamento de Francisco.
No campo educacional, Francisco nos desafiou a romper os muros físicos e simbólicos que separam pessoas, ideias e culturas. Ele nos ensinou que a verdadeira educação é aquela que promove o encontro, a colaboração e o serviço. “O maior fracasso de um educador é ter que ensinar entre muros”, advertia. Por isso, sua liderança nos convoca a pensar uma educação em rede, aberta, interdependente e comprometida com a vida.
Sua denúncia da cultura do descarte, da indiferença e do individualismo se articula com sua proposta de um novo pacto civilizatório: educar para a fraternidade, para o cuidado com a casa comum e para a construção de pontes entre pessoas e povos. Nessa perspectiva, o ensino superior católico não é apenas um espaço de produção de conhecimento, mas um lugar de escuta, de acolhimento e de protagonismo humano, sobretudo dos mais vulneráveis.
A liderança de Francisco nos deixa como herança uma educação que evangeliza pela presença, que transforma pela escuta e que liberta pela promoção da dignidade humana. Ele fez da própria vida uma obra — uma obra feita de gestos, escolhas e palavras proféticas. Em tempos de incerteza, sua memória nos impulsiona a liderar servindo, e a educar amando.
Porque, como ele nos ensinou, “toda mudança requer um percurso educativo” — e todo percurso educativo só se sustenta quando nasce do encontro, do serviço e da coragem de sonhar um mundo melhor.
Ir. Manuir José Mentges – Reitor PUCRS
*Artigo publicado de forma reduzida em GZH nesta segunda-feira, dia 5 de maio de 2025