Impacto Social

Conheça a alumna da PUCRS que atua na UNESCO e promove a inclusão global  

Primeira mulher a assumir o cargo de diretora da organização no Brasil, a gaúcha Marlova Jovchelovitch Noleto estudou Serviço Social na PUCRS   

segunda-feira, 03 de fevereiro | 2025

Marlova Jovchelovitch Noleto foi homenageada no Prêmio Alumni 2024 na categoria Educação. / Foto: Giordano Toldo

Inclusão, justiça, igualdade, diversidade. Em cerca de 30 minutos de conversa com a Revista PUCRS, Marlova Jovchelovitch Noleto não poupa o uso destas palavras. Pelo contrário, as utiliza quase como um mantra. É o vocabulário que guia sua trajetória desde a graduação em Serviço Social na PUCRS, onde também foi mestranda e professora. Passou por instituições como a Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância) e a antiga Febem, até se tornar a primeira mulher a assumir como diretora da Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura) no Brasil. 

As políticas de bem-estar social são como uma missão de vida. A gaúcha de Uruguaiana teve papel decisivo na aprovação da Lei Orgânica da Assistência Social, em 1993. Este é um motivo de orgulho, assim como o cargo que ocupa atualmente. “Considero este mandato absolutamente fascinante”, afirma. Como diretora da Unesco, além dos temas caros à sua trajetória, ela lida com assuntos como inteligência artificial e bioética.  

“Acredito muito em aprendizagem ao longo da vida. Os temas do mandato na Unesco estão na vanguarda dos acontecimentos, o que me obriga a estar sempre estudando.”  

Em julho de 2024, Marlova voltou à PUCRS para receber o Prêmio Alumni na categoria Educação. Nesta entrevista, ela fala da importância da conexão entre a universidade e egressos, aponta os rumos do seu mandato como diretora da Unesco, alerta para os perigos de uma internet desregulamentada e defende a educação, a ciência e o bom jornalismo como ferramentas de combate à desinformação e ao preconceito.  

Você esteve na PUCRS para receber o prêmio Alumni. Como foi a experiência de voltar à universidade? 

A PUCRS é uma universidade que tem um papel muito especial na minha vida. É linda a ideia de reconhecer as trajetórias que impactam e que servem de modelo para os alunos. A manutenção do diálogo dos egressos com a universidade é muito comum lá fora, nos Estados Unidos e na Europa. Acho que a PUCRS está trilhando um bom caminho mantendo isso vivo por aqui. É uma iniciativa que mostra que a missão da Universidade vai além de formar para uma carreira acadêmica e profissional, desenvolvendo uma conexão inspiracional com o servir e com as relações com as comunidades.  

Você passou por várias instituições até chegar à Unesco. Como foi essa trajetória? 

Foi acontecendo. A vida tem muito mais imaginação do que nós. Mas é bom ver que a minha carreira profissional conversa com a minha trajetória de vida, com o que eu sempre quis fazer, que é ajudar a construir um mundo mais justo, mais plural, mais diversificado, com oportunidades iguais para todos.  

Qual é o foco da sua atuação como diretora da Unesco e o legado que você quer deixar?  

Não penso em legado. O trabalho é um desafio diário. A gente nunca pode dizer que algo está pronto. Temos que construir novos desafios a cada dia. O Brasil, por exemplo, avançou muito em termos de políticas públicas graças à Constituição de 1988, às leis orgânicas da assistência social e da saúde, ao Estatuto da Criança e do Adolescente. Mas a história é pendular, tem avanços e tem recuos. Há governos que se preocupam mais com a agenda social, há governos que se preocupam menos. Então, o desafio do meu mandato é fazer avançar uma agenda de inclusão, de diversidade e respeito aos direitos humanos. Além disso, a Agenda 2030, que conta com 17 objetivos de desenvolvimento sustentável (ODS), é um norte e diz que não podemos deixar ninguém para trás. Esse é meu grande compromisso. 

Quais são os desafios e perspectivas positivas da educação em um cenário de explosão informacional? 

A Unesco alerta, em primeiro lugar, para a importância de uma internet de confiança. No ano passado, fizemos a primeira reunião mundial sobre uma internet de confiança, propondo aos países que discutam uma regulamentação nessa área. A internet não deve ser uma terra de ninguém. Aquilo que não é aceito moralmente e eticamente na sociedade não pode ser praticado nas redes sociais. E as pessoas se sentem liberadas para transformar a internet em um tribunal que julga e executa rapidamente, espalhando desinformação e discursos de ódio com muita velocidade. Temos que trabalhar pela integridade da informação, para que a notícia seja sinônimo de checagem, de veracidade, de apuração, de bom jornalismo. 

E a própria Unesco tem um programa de alfabetização midiática e informacional, não é?  

Exato. É importante que as pessoas saibam consumir informação e que os pais e os educadores estejam capacitados para orientar seus filhos e alunos em meio a tanta informação. Quem deixaria uma criança de 5 ou 6 anos atravessar uma grande avenida sem acompanhamento? Largar um filho na internet com livre acesso é isso. Há riscos reais de abuso, pedofilia, redes de prostituição e até casos de suicídio. É necessário um esforço coletivo e transdisciplinar para proteger as crianças. Mas não só elas, os adultos também. Na pandemia, por exemplo, a desinformação foi a diferença entre a vida e a morte devido a tudo que circulou de equivocado sobre as vacinas. 

A Unesco defende algum modelo ou princípios para essa regulamentação? 

Não defendemos modelos. O que propomos é que haja debate sobre a regulamentação. Existem várias discussões em curso. Mas o modelo depende do cenário nacional, da legislação de cada país. Advogamos para que haja um debate e uma regulamentação adequada para coibir os abusos e problemas graves que decorrem na desregulamentação.   

Quais os caminhos para a construção de uma política de assistência social que possa dar condições de autonomia e desenvolvimento para as pessoas? 

Quando falamos de políticas e programas sociais, é importante que haja uma legislação adequada para que os governos respeitem a continuidade desses programas e para que eles sejam políticas de estado – e não programas eventuais de um ou outro governo, com risco de descontinuidade. No Brasil, a Constituição Federal de 1988 e a Lei Orgânica de Assistência Social foram marcos importantíssimos, assim como a criação do Benefício de Prestação Continuada (BPC) para pessoas idosas e com deficiência e de programas de transferência de renda com caráter emancipatório, como o Bolsa Família. Além do Bolsa Família, o Brasil tem programas reconhecidos no mundo, como o Prouni e as cotas nas universidades. São programas que ajudam a promover igualdade e inclusão.  

Muitos desses programas ainda sofrem com preconceitos. Por que é tão difícil convencer as pessoas da importância dessas iniciativas? 

O Brasil, lamentavelmente, está muito polarizado. As pessoas politizam o que não é politizável e opinam sobre tudo. Essa não pode ser uma discussão sobre o que eu acho ou você acha. Temos que olhar para os bons exemplos a partir de evidências empíricas e conhecimento científico. Vejamos o exemplo da pandemia. Como chegamos na vacina? Com conhecimento científico. Então, a ciência, que foi tão atacada, entregou uma solução para uma pandemia mundial. Além disso, nós, humanos, temos que estar comprometidos com uma agenda de igualdade, com políticas sociais que atendam aos cidadãos integralmente, da infância aos idosos. Precisamos caminhar, cada vez mais, impulsionando iniciativas que desmontem políticas centradas na caridade e no favor, apostando em programas que reforcem a autonomia e o princípio de autodeterminação de cada pessoa, promovendo igualdade de oportunidades e direitos iguais para todos.  

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