Ensino

Ruptura: o que a série tem a dizer sobre o mercado de trabalho? 

Professor de Direito da PUCRS explica as implicações da trama no mundo corporativo 

quarta-feira, 29 de janeiro | 2025

A série Ruptura está atualmente em sua segunda temporada. / Foto: Apple TV

Você conseguiria desligar completamente da sua vida pessoal durante a sua jornada de trabalho, de forma que você não teria nenhuma lembrança do seu “eu” fora do ambiente corporativo? Essa é a premissa da série Ruptura (Severance, em inglês), que atualmente está em sua segunda temporada. Na trama, somos apresentados a personagens cujas memórias foram cirurgicamente divididas entre o trabalho e a vida pessoal. Sucesso de público e crítica, a série do streaming Apple TV levanta uma questão: é possível existir um equilíbrio entre a vida pessoal e a profissional? 

O professor da Escola de Direito da PUCRS Augusto Jobim comenta que, nos dias de hoje, a vida parece estar se confundindo com o trabalho, como se o nosso tempo pessoal fosse, pouco a pouco, engolido pelo expediente. Na série, os personagens escolhem passar por esse processo de alienação da vida e do trabalho, e Augusto destaca que, à primeira vista, isso pode até parecer vantajoso. Mas provoca a reflexão: seria isso uma benção ou uma maldição? 

“Claro que em um primeiro momento parece interessante. Quem nunca teve a ideia de simplesmente esquecer dos seus problemas da vida e se dedicar apenas ao trabalho? Mas ao mesmo tempo, isso é uma forma de alienação, ou ainda, uma maldição, na qual a vida é completamente reduzida ao trabalho”, defende. 

Apesar do equilíbrio entre a vida pessoal e a vida profissional ser uma prioridade para 63% dos brasileiros, esse tipo de paridade entre os dois aspectos ainda é um desafio. O professor Augusto Jobim busca trazer essas discussões da vida real para a sala de aula, porque, ainda que não inseridos totalmente no mercado de trabalho, os jovens que estão iniciando os seus estudos precisam entender o que os espera no futuro.  

“Nas disciplinas que eu dou, busco trazer fenômenos como a pejotização do trabalho (pessoas que muitas vezes trabalham em uma espécie de CLT, mas não possuem vínculo empregatício) que são essenciais para entender essa nova dinâmica. Falamos também sobre seus efeitos como adoecimento mental, sobrecarga e Burnout. A princípio, a série acaba provocando uma ideia “positiva” de ruptura entre a vida e o trabalho, mas rapidamente ela se mostra o oposto: que na verdade o trabalho acaba virando a vida desses personagens.” 

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Saúde mental no trabalho  

Augusto Jobim é professor do curso de Direito da PUCRS. / Foto: Giordano Toldo

Questões psicossociais têm se tornando cada vez mais frequentes quando pensamos sobre um balanço entre a vida pessoal e a profissional. A síndrome de Burnout (caraterizada como um estresse crônico relacionado ao ambiente de trabalho), acomete 30% dos trabalhadores brasileiros. O professor da Escola de Direito diz que o dado é preocupante e que ele traz à tona uma condição generalizada no ambiente de trabalho: aquela que nos faz internalizar todas as dimensões da nossa vida pessoal (como a família, os amigos e o lazer) dentro do contexto profissional.  

“Em que medida essas relações de trabalho não são relações extremamente nocivas? É como se nós fossemos uma espécie de outro da nossa própria vida. Nós nos tornamos um “membro da empresa”, e a gente não consegue se ver se não dentro dessa condição”, explica Augusto. 

Embora os personagens de Ruptura não tenham nenhuma lembrança da sua vida e suas relações interpessoais, dentro do escritório eles conseguem formar uma amizade. A formação de amigos dentro do ambiente corporativo pode diminuir o risco de Burnout, e o professor Augusto ilustra que, na série, o sofrimento gerado por não saber ou entender o que realmente está acontecendo, acaba unindo aquelas pessoas. 

“A série produz também uma espécie de comunhão entre os personagens. Aos poucos eles vão se dando conta do mal-estar que aquele ambiente causa e vão se unindo para tentar descobrir uma vida para além daquela sala. A série aborda isso de forma muito interessante, porque é, de certa forma, uma espécie de resistência que nós telespectadores também buscamos”. 

O “novo” mercado de trabalho  

A entrada de profissionais mais jovens (a chamada geração Z, pessoas nascidas entre 1996 e 2010) no mercado de trabalho tem causado não só um conflito geracional, mas também a quebra de alguns paradigmas. Além de um balanço entre o pessoal e o profissional, a geração Z também busca boas condições de trabalho, flexibilidade, e vai contra o conceito de Workaholic (pessoa viciada em trabalho). O professor diz que a estabilidade que o trabalho trazia antes não é percebida hoje e isso também tem a ver com identidade.  

“Antes nós perguntávamos aos nossos pais ‘o que o senhor é?’ e a resposta era ‘sou funcionário público’, ‘sou professor’, entre outros. A profissão era a primeira coisa que definia o sujeito. Mas hoje em dia podemos esquecer isso. Se a gente pergunta isso para os nossos alunos, eles nem conseguem imaginar uma identidade forjada em torno do trabalho. Hoje isso é impossível. Isso é muito interessante, porque mostra um tipo de ruptura e uma capacidade de criatividade muito intensa”, sintetiza.   

Confira o vídeo sobre a série: