Não podemos mais admitir que comunidades inteiras residam em áreas de risco, elas precisam ser realocadas, devidamente indenizadas, e as localidades de risco transformadas em unidades de conservação efetivamente fiscalizadas
segunda-feira, 20 de maio | 2024Foto: Isabelle Rieger/Sul21
Por: Nelson Ferreira Fontoura, diretor do Instituto do Meio Ambiente da PUCRS
O Rio Grande do Sul é um estado que se orgulha de sua tradição, cultura e belezas naturais. É um povo alegre, trabalhador e acolhedor. Hoje, porém, é um povo que se vê de joelhos diante de um desastre ambiental. E agora?
Os avisos não foram poucos. A prestigiada revista Science já alertava para o aquecimento global em 1975. Em 1997, através do Protocolo de Kyoto, pela primeira vez se construiu um esforço global para redução da emissão de gases do efeito estufa. Os riscos de incêndios florestais e fenômenos climáticos extremos já eram prenunciados em 2005 e 2006 por artigos publicados pela mesma revista.
Avisos concretos em território brasileiro também não faltaram. Desde enchentes no Nordeste, secas na Amazônia e Pantanal, enxurradas catastróficas no Rio de Janeiro, até as enchentes de 2023 no próprio Rio Grande do Sul. Avisos que não foram levados a sério.
As mudanças climáticas são um fato! E a sociedade e o meio ambiente são as principais vítimas. É urgente repensarmos nossas ações como indivíduos. O Estado, em todos os seus poderes, precisa reavaliar suas prioridades. É preciso mudar para garantir não apenas a qualidade de vida, mas a própria sobrevivência da sociedade como a conhecemos. Não estou sendo alarmista. O alarme já foi dado pela própria natureza.
Individualmente, precisamos consumir com responsabilidade, consumir apenas o necessário, buscando sempre alternativas que diminuam as emissões de gases estufa. O setor produtivo precisa estar atento aos seus processos, ao consumo de matérias-primas, ao ciclo de vida dos produtos e embalagens, tendo sempre em mente o compromisso moral com um desenvolvimento sustentável. O sistema educacional, em todos os níveis, assim como a mídia, deve procurar não apenas informar, mas sensibilizar as pessoas para a necessidade de melhorar os hábitos de vida visando diminuir o impacto individual no meio ambiente. Ao Estado cabe regulamentar, fiscalizar e induzir ações que diminuam o impacto da sociedade no meio ambiente. Compete ao Estado também a tarefa de assegurar que as catástrofes decorrentes das mudanças climáticas não coloquem a sociedade de joelhos. E isto requer planejamento, vontade política e integração entre os poderes. Isto requer orçamento. E não é uma tarefa de um governo, mas uma tarefa de Estado.
Não podemos mais admitir que comunidades inteiras residam em áreas de risco, sujeitas a inundações periódicas ou desmoronamentos. Essas comunidades precisam ser realocadas, devidamente indenizadas, e as localidades de risco transformadas em unidades de conservação efetivamente fiscalizadas, de forma a impedir novas ocupações. Equipamentos públicos de proteção, como diques e bombas, precisam receber atenção prioritária para manutenção, atualização de equipamentos e estrutura, assim como treinamento contínuo das equipes de operação. Além disso, é extremamente importante aumentar a resiliência dos equipamentos públicos, que devem ser projetados para suportarem situações extremas ainda não observadas na história, mas que poderão se apresentar em futuro próximo. Serviços essenciais como água, energia e transportes devem apresentar estruturas redundantes, de forma que se tenha alternativas de funcionamento imediato na medida em que um equipamento ou estrutura venha a falhar.
Isso requer orçamento e linhas dedicadas de financiamento. Órgãos de Estado, como a Defesa Civil, precisam aumentar sua estrutura, o quadro de pessoal, e a relevância política no processo de tomada de decisões. Instituições de apoio emergencial, como as forças armadas, os bombeiros e forças de segurança, precisam de suplementação orçamentária para fazer frente aos desafios de apoio social que certamente irão surgir no futuro. Prontidão operacional para fazer frente às catástrofes requer planejamento, treinamento e simulação de eventos envolvendo os diversos atores. E isto requer recurso para aquisição de equipamentos de pronta resposta, assim como fundos financeiros de disponibilidade imediata. São ações que não resolvem a causa do problema, mas minimizam o sofrimento das pessoas envolvidas.
Por fim, precisamos atuar de forma muito efetiva nas diferentes frentes, diminuindo nosso impacto no meio ambiente e nos preparando para os eventos extremos que chegarão aos nossos lares, pois chegarão novamente. Infelizmente, não temos alternativas. Precisamos agir!