Pesquisa

Mulheres que pesquisam mulheres: mais protagonismo para a sociedade e para a ciência

sexta-feira, 11 de fevereiro | 2022

Apesar do avanço da presença feminina nas mais variadas áreas do conhecimento, dados mundiais apresentados pela UNESCO, em 2020, apontam que apenas 30% dos cientistas são mulheres. No Brasil, as mulheres pesquisadoras representam 40,3%. O Dia Internacional das Mulheres e Meninas na Ciência, celebrado neste 11 de fevereiro, busca dar maior destaque para a pauta, que exige esforços contínuos para uma participação mais igualitária das mulheres na ciência.

A data, instituída em 2015 pela Assembleia das Nações Unidas, visa promover o debate e ampliar a relevância da presença feminina nas áreas de pesquisa científica e tecnológica. Pensando nisso, selecionamos pesquisadoras da Universidade que se dedicam ao estudo de mulheres em diferentes áreas do conhecimento, conduzindo pesquisas que não só reforçam seu espaço enquanto cientistas, mas dão luz a temáticas importantes no debate da equidade de gênero.

Mulheres na aviação brasileira

A professora do Programa de Pós-Graduação em História da Escola de Humanidades Claudia Musa Fay é um exemplo destas pesquisadoras. A docente realizou o projeto de pesquisa As Mulheres na Aviação Brasileira: Lutas e Conquistas, a partir da constatação do pequeno número de mulheres que ingressavam no curso de Ciências Aeronáuticas. O curso foi criado em 1993 em uma parceria entre a PUCRS e a VARIG, companhia aérea brasileira, e que em sua primeira turma, dos 60 estudantes que ingressaram, apenas duas eram mulheres.

“O contexto do mercado de trabalho nas empresas brasileiras era semelhante. Existiam poucas mulheres pilotos em relação aos homens. Por isso, o papel da pesquisa era identificar e analisar os principais obstáculos que impediam o ingresso de um maior número de mulheres na aviação”, explica.

Nos primeiros 10 anos de curso foram formados 464 homens e 20 mulheres. A metodologia do projeto consistia numa etapa de história oral, para recolher através de entrevistas abertas, as trajetórias destas alunas. As entrevistas foram gravadas e depois transcritas com pleno consentimento, analisadas e divulgadas pelo Núcleo de Pesquisa em História Oral. Com os resultados, a pesquisa começou a revelar que preconceitos sociais e culturais dificultavam a procura, mas também as condições econômicas. Havia inclusive falta de informações disponíveis para realização da formação necessária para ingressar na faculdade.

“Com essa pesquisa, buscamos encorajar outras mulheres que estão enfrentando obstáculos para realizar seus sonhos, mostrar que é possível se realizar numa profissão técnica e científica. Acreditamos na necessidade ações afirmativas para mudar a situação, como incentivos, criação de bolsas de estudo, mentorias, divulgação nas escolas e um conhecimento maior das trajetórias de mulheres que se realizaram na profissão mesmo com tantos obstáculos”, complementa a professora.

Mulheres na computação

A área da computação, em específico, é um dos setores da economia e do mercado de trabalho que mais cresce no mundo, com oportunidades de desenvolvimento e crescimento profissional. Entretanto, por muito tempo, mulheres têm evitado as áreas exatas por diferentes razões e as poucas que trilham esse caminho relatam um sentimento de solidão ao interagir com poucas mulheres durante a sua jornada. Quem relata esta situação é a professora do PPG em Ciências da Computação da Escola Politécnica Soraia Raupp Musse.

A docente é responsável pelo Programa Mulheres na Computação, uma parceria entre a PUCRS e a empresa Poatek, iniciativa que apoia a formação de Mulheres na área de Computação. Com o projeto, estudantes recebem uma bolsa de estágio nos grupos de pesquisa e orientação de professores do PPG em Ciência da Computação.

Atualmente, cinco meninas participam do programa e têm acesso a área de pesquisa, trabalham com estudantes de mestrado e doutorado e participam de publicações, desenvolvimentos avançados e inovadores. A professora Soraia acredita que com mais pluralidade, mais a sociedade recebe ideias novas, perspectivas diferentes e interesses inovadores.

“Acreditamos que quanto mais mulheres na ciência e quanto mais diversidade, mais poderemos chegar a soluções inovadoras para problemas ainda em aberto e até vermos emergir novos problemas ainda não conhecidos”, complementa a docente.

Mulheres quilombolas

Já a professora do PPG em Serviço Social da Escola de Humanidades Patrícia Krieger Grossi dedica sua trajetória acadêmica a estudar as experiências sociais de mulheres quilombolas no acesso às políticas públicas. Essas comunidades são um dos segmentos mais vulneráveis na sociedade brasileira e vem sofrendo violações de direitos humanos mais básicos, como o direito humano à alimentação e uma vida digna.

De acordo com a docente, as mulheres neste contexto lutam pelo seu território, muitas são consideradas as guardiãs da cultura, transmitindo às gerações mais jovens a história de seus antepassados. Além disso, elas têm um papel fundamental em torno das lutas sociais por igualdade, organização política e econômica e em prol de direitos sociais básicos. A professora Patrícia destaca que valorizar este protagonismo feminino na ciência, assim como acontece no contexto cultural-social dos quilombos, é fundamental para incentivar as novas gerações.

“Um dos grandes desafios na nossa sociedade é a superação das desigualdades de gênero. Por isso, uma educação voltada para a promoção da igualdade de gênero possibilitará fomentar maior participação das meninas na ciência, valorizando o potencial, habilidades e competências, em sua plenitude”, comenta.

Mulheres em situações migratórias

A mestranda do PPG em Serviço Social Cristiane Matiazzi Posser também optou em sua pesquisa para um olhar voltado para mulheres. Na dissertação Proteção social para mulheres venezuelanas em solo brasileiro: acolhimento e/ou racismo?, a aluna analisa a realidade de mulheres venezuelanas refugiadas no Brasil que utilizam a Proteção Social Básica, bem como os serviços de rede socioassistencial, tanto no âmbito público quanto em ONGs, com o objetivo de contribuir para a ampliação e qualificação desses serviços enquanto políticas públicas.

Foram realizadas entrevistas com essas mulheres refugiadas e com assistentes que atuam em um Centro de Referência de Assistência Social (CRAS) – principal organização que atua na Proteção Social Básica – e em uma Organização não Governamental (ONG) – pertencente aos serviços das redes socioassistenciais.

Com o estudo, foi possível concluir que as mulheres venezuelanas são impactadas diretamente por diversas formas de preconceitos, como sexismo e racismo. Nos depoimentos, essas pessoas relatam que já foram expulsas de certos locais, somente por sua nacionalidade, assim como receberam tratamento “diferente” na busca por serviços de saúde. Além disso, as refugiadas contam que correm riscos de serem vítimas do tráfico de pessoas, exploração sexual, trabalho escravo e trabalhos informais, sem carteira assinada ou direitos trabalhistas.

Assim, a mestranda Cristiane acredita que a presença das mulheres na ciência contribui para que a realidade seja repensada e alterada, uma vez que estas são as vozes silenciadas pela sociedade. “É fundamental que pesquisas científicas como esta continuem sendo realizadas, para que então a realidade das mulheres – venezuelanas ou de qualquer outra nacionalidade –permeada de preconceitos, racismo e violação de direitos seja exposta e ouvida”, complementa.

Mulheres em situação de vulnerabilidade

O Grupo de Pesquisa Violência, Vulnerabilidade e Intervenções Clínicas, vinculado ao PPG de Psicologia da Escola de Ciências da Saúde e da Vida assume a frente de importantes iniciativas para prevenção e enfrentamento à violência contra meninas e mulheres. O grupo, liderado pela professora e pesquisadora em Psicologia Luisa Fernanda Habigzang, desenvolveu um estudo de avaliação de protocolo de psicoterapia breve para mulheres que experenciaram violência nas relações íntimas. A intervenção promoveu a redução de sintomas de depressão, ansiedade e transtorno do estresse pós-traumático.

Além disso, pesquisas estão sendo realizadas para prevenção de violência no namoro para meninas adolescentes de escolas públicas e que estão em acolhimento institucional. Outra iniciativa está em andamento em parceria com a Secretaria Estadual de Educação, para realizar a avaliação de um programa de formação para educadores que visa contribuir para o enfrentamento da violência de gênero.

A professora Luisa integra um grupo de especialistas convidados pela Sexual Violence Research Initiative (SVRI), que está contribuindo para estabelecer agenda de prioridades de investigação sobre a violência contra as mulheres e as meninas na região da América Latina e do Caribe.

“Para uma sociedade mais igualitária e justa, as mulheres, em sua diversidade de existência, precisam de oportunidade para serem protagonistas na ciência. Para isso, a carreira acadêmica nas mais diversas áreas deve ser sinalizada e facilitada como caminho possível para meninas durante seus processos de educação formal e informal”, finaliza a docente.

A PUCRS valoriza e celebra as pesquisadoras que contribuem diariamente com a sociedade através do desenvolvimento de pesquisas nas mais variadas áreas do conhecimento. Diversas ações que buscam o incentivo do protagonismo feminino na ciência estão em desenvolvimento em nossa Universidade, conheça algumas delas neste link.