Institucional

Não há cura sem cuidado

sexta-feira, 05 de março | 2021

Texto do reitor Ir. Evilázio Teixeira fala sobre cura e cuidado

Texto foi publicado no jornal Zero Hora / Foto: Bruno Todeschini

Neste momento de pandemia, em que a espera parece não ter fim, precisamos nos manter críticos e vigilantes em relação às ideologias e práticas que reduzem o ser humano, que o classificam por razões forjadas na mentira e no desamor. Lembro-me das palavras de um sobrevivente ao campo de concentração que nos deixou um legado imensurável: Viktor Frankl, que em 1984 esteve na PUCRS para receber o título de Doctor Honoris Causa: “pode-se tirar tudo de um homem exceto uma coisa: a última das liberdades humanas – escolher a própria atitude em qualquer circunstância. Se percebemos que a vida realmente tem um sentido, percebemos também que somos úteis uns aos outros”.

Cuidado e cura andam juntos, na origem da primeira palavra está o significado da segunda. Cura é um dos sinônimos eruditos de cuidado, presente na famosa obra Ser e Tempo, de Martin Heidegger. Em seu sentido mais antigo, cura se escrevia em latim coera e se usava em um contexto de relações humanas de amor e de amizade. Cura queria expressar a atitude de cuidado, de desvelo, de preocupação e de inquietação pelo objeto ou pela pessoa amada. O cuidado somente surge quando a existência de alguém tem importância para mim. Passo então a dedicar-me; disponho-me a participar de seu destino, de suas buscas, de seus sofrimentos e de suas conquistas, enfim, de sua vida.

Não habitamos o mundo somente por meio de nosso trabalho. Outra forma de ser no mundo se realiza pelo cuidado – o que não se opõe ao trabalho, mas lhe confere uma modalidade diferente, onde a relação com as pessoas não é sujeito-objeto, mas sujeito-sujeito. A relação não é de domínio, mas de convivência. Não é pura intervenção, mas principalmente interação e comunhão.

Um dos desafios para o ser humano é combinar trabalho com cuidado. Eles não se opõem, mas se compõem. Quando tentados a criar dicotomias na vida diante de ameaças e incertezas, recordemos que somos seres de relações ilimitadas, de criatividade, ternura, cuidado, de espiritualidade; portadores de um projeto sagrado e infinito. Em tempo de pandemia é isso que precisamos. Humanizar o mundo torna-se uma questão crucial e decisiva para o destino do planeta e de seus habitantes. Não há cura fora de nossas próprias fragilidades e potencialidades para transformar a natureza e a nós mesmos.