As tensões entre Rússia e Ucrânia se ampliaram no dia 24 de fevereiro, quando o presidente Vladimir Putin autorizou a invasão de tropas russas ao território ucraniano. Até então, a operação militar já registrou diversos ataques em todo o país. A questão geopolítica entre os vizinhos é complexa e evidencia atritos que existem há séculos. Pesquisadores da PUCRS analisam as relações internacionais que culminaram na guerra e os desdobramentos esperados.
Professor do curso de História e pesquisador da Escola de Humanidades, Marçal Paredes atua com estudos sobre a construção das nações e dos nacionalismos, na história intelectual e das ideias, bem como nas relações internacionais. Para o docente, um panorama do conflito entre Rússia e Ucrânia passa por diversas camadas de significados.
Em 1991, líderes da Federação Russa, Ucrânia e Bielorrússia assinaram uma declaração extinguindo a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS). Em seguida, o presidente Mikhail Gorbatchov, em cerimônia para o mundo inteiro, declarou oficialmente o fim da URSS e renúncia ao governo. Com isso, diversos países tornaram-se independentes, como a Geórgia, Armênia, Bielorrússia, Estônia, Azerbaijão e a própria Ucrânia.
Desde então, a Ucrânia oscila entre o Ocidente e a Rússia. Além da fronteira com os russos, a Ucrânia tornou-se vizinha da União Europeia (UE) em 2014, com isso existem diversas possibilidades de aproximação entre o país ucraniano com instituições europeias e com a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN). Esses fatores criaram tensões com a Rússia, que tem manifestado, nos últimos anos, sua oposição à aproximação da ex-república soviética com potências europeias.
Em sua análise, o pesquisador Paredes ressalta a importância de compreender que Vladimir Putin vem mobilizando diversos conflitos com a Ucrânia, com um discurso de nacionalismo russo. Olhando para o século atual, o professor ressalta a Cimeira de Bucareste, que aconteceu em abril de 2008, quando os Estados Unidos (EUA) declararam intensão de expandir a OTAN para a Georgia e a Ucrânia. Este acontecimento culminou na invasão do exército russo na Georgia, com isso foi dado um sinal nítido de que a Rússia não permitiria a expansão da OTAN.
Para os russos, um vizinho tão próximo, geograficamente e culturalmente, curvando-se aos interesses ocidentais acarretaria uma perda de força global. O líder russo considera que o Ocidente se aproveitou de um momento de fraqueza pós-União Soviética para dominar nações vizinhas. Para exemplificar mais ações de Putin, Paredes destaca a Revolução Ucraniana, de fevereiro de 2014, em que um golpe depõe um governo pro-Rússia em prol de um governo pro-Ocidente. Com isso, a região da Criméia foi invadida e anexada pela Rússia, no mesmo ano.
Além destes acontecimentos, no dia 21 de fevereiro de 2022, estados ucranianos, como Donetsk e Luhansk, foram reconhecidas pelo Putin como independentes, desrespeitando um acordo de paz com a Ucrânia, assinado em 2015. Para Paredes, todos estes conflitos são sinais que a Rússia vem dando para as chamadas potenciais ocidentais, que só agora começaram a aplicar sanções ao país russo.
“Ao longo dos anos e dos acontecimentos, Putin vem dando diversos recados de que não permitiria a expansão da OTAN numa região entendida como sua zona de influência. E mesmo assim, países como Alemanha, Inglaterra e Estados Unidos continuaram com parcerias comerciais com a Rússia fundamentais para a Europa”, destaca o pesquisador.
A Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) é uma aliança militar entre diversos países, baseada no Tratado do Atlântico Norte, que foi assinado em 4 de abril de 1949. A organização constituiu um sistema de defesa coletiva através do qual os seus Estados-membros concordam com a defesa mútua em resposta a um ataque por qualquer entidade externa à organização.
A coordenadora do curso de Relações Internacionais e pesquisadora da Escola de Humanidades, Teresa Cristina Marques, conta que a expansão da OTAN, nos últimos 15 anos, abala a segurança e os interesses do Putin. No passado, a OTAN assumiu compromissos para manter distância em relação aos antigos países que envolviam a União Soviética (URSS). Porém, atualmente a organização incorporou países como a Estônia, a Lituânia, entre outros.
“Outro ponto seria que o sistema de mísseis instalado com o argumento de que a OTAN precisa se preparar para um eventual ataque vindo de países do oriente médio não convenceu Putin. Além disso, maior parte do orçamento da OTAN vem dos Estados Unidos, o que faz com que a Rússia tenha interpretado que as ações dessa organização são uma expressão da vontade dos americanos”, explica a docente.
O professor e pesquisador da Escola de Humanidades Norman Madarasz possui longa trajetória de pesquisas em diversas linhas como Letras, Filosofia e História da França, Canadá e Estados Unidos. O docente apresenta fatores que fazem com que Joe Biden, presidente dos EUA, não declare guerra contra a Rússia na invasão da Ucrânia.
Além do peso econômico e nuclear que a Rússia apresenta a nível global, existem questões políticas internas nos Estados Unidos, que impedem Biden de reagir militarmente contra o país russo. Madarasz pontua a rendição na Guerra no Afeganistão, com a retirada de suas tropas em agosto de 2021. Para o pesquisador, a rendição foi humilhante pelo histórico de ocupação, contra-insurgência, corrupção, milhares de vidas perdidas e centenas de bilhões de dólares desperdiçados.
Madarasz destaca que, neste momento, tanto dos Estados Unidos quanto do Canadá, estão compensando a não intervenção direta por uma escalação da militarização da Ucrânia pelo envio de armamento antibalísticos e até de aviões de caça. Além disso, para o docente, a OTAN não intervirá diretamente, pois poderia provocar uma guerra com armas nucleares.
O professor também acrescenta que o presidente Biden enfrenta fragilidade no cenário político do país, onde senadores democratas, aliados a Trump, articulam constantes sabotagens e o fato dos Estados Unidos ter que enfrentar duas potências militares iguais: Rússia e China. Por estes fatores, Madarasz sinaliza ser pouco provável que haverá uma reação militar dos EUA.
O professor do curso de Economia e pesquisador da Escola de Negócios Silvio Hong Tiing Tai realiza pesquisas sobre comércio internacional, imigração e economia do trabalho. O docente explica que o conflito entre dois países gera, além dos impactos diretos como perdas de vidas e a destruição do capital físico, a deterioração de canais de comércio e de condições de mercado.
Esses impactos indiretos aumentam os custos de transporte e de transação entre os países em guerra, reduzindo seus fluxos comerciais. Essa consequência econômica não se restringe aos países envolvidos, nem ao período correspondente ao conflito. De acordo com Tai, isso ocorre porque um país em guerra acaba comprometendo a sua capacidade de produção e consumo e a sua competência logística, o que atinge o comércio com todos os países, mesmo os que não estão em guerra.
O pesquisador explica que dependendo da duração e a gravidade da guerra, pode-se esperar uma expressiva e duradoura diminuição do comércio entre a Rússia e a Ucrânia e uma redução persistente do comércio desses dois países com todos os outros países do mundo, incluindo o Brasil. Esses efeitos diminuem gradativamente ao longo do tempo, mas são necessários em média oito e sete anos, respectivamente, para que eles deixem de existir.
Em suas pesquisas, Tai apresentou que, em 2019, a Rússia foi destino de 1,3% das exportações e origem de 0,98% das importações do Brasil. A Ucrânia representou 0,05% das exportações brasileiras e 0,06% das importações. Apesar dos percentuais agregados não parecerem tão expressivos, pode haver um grande impacto setorial. O Brasil foi, ainda em 2019, o maior importador de fertilizantes do mundo e a Rússia foi o principal exportador desse item para o País.
“O Brasil poderá ter uma diminuição no fornecimento, com consequente aumento de preços, de produtos importados da Rússia, como fertilizantes. Também poderá ocorrer diminuição de fornecimento de produtos da Ucrânia, como medicamentos e aquecedores. No sentido oposto, o Brasil poderá ter uma queda nas exportações de soja e carne bovina para a Rússia e nas exportações de fumo, café e chá para a Ucrânia”, conclui o docente.