Nesta terça-feira, 27 de outubro, ocorre Fórum de Interdisciplinaridade da PUCRS, com o tema A via ascendente: filosofia e interdisciplinaridade. Realizado pela Pró-Reitoria de Pesquisa, Inovação e Desenvolvimento, o evento conta com a presença do professor da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Eduardo Luft. A atividade tem início às 17h30min, no auditório térreo do prédio 40 do Campus (avenida Ipiranga, 6681 – Porto Alegre). As inscrições, gratuitas e abertas ao público, podem ser feitas clicando aqui. Informações adicionais pelo telefone (51) 3353-4431, ou no site www.pucrs.br/foruminterdisciplinaridade.

Interdisciplinaridade. Essa palavra polissilábica, que muitas vezes necessita ser pronunciada pausadamente, traz em si uma série de características benéficas, em especial ao ambiente acadêmico. Dentre elas, podem ser listadas cooperação, empreendedorismo, inovação e desprendimento.

No Brasil, um expoente do pensamento e da atitude interdisciplinar é o professor Luiz Bevilacqua, engenheiro civil pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e doutor em Mecânica Teórica e Aplicada pela Universidade de Stanford (EUA). Na UFRJ, é professor emérito do Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia (Coppe).

Sua carreira inclui cargos e inciativas de destaque: foi secretário executivo do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI); diretor das Unidades de Pesquisa do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq); criador do Comitê Multidisciplinar da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes); e presidente da Agência Espacial Brasileira (AEB), entre outros. Seu currículo também inclui um feito de impacto no cenário acadêmico nacional: a concretização da Universidade Federal do ABC (UFABC), da qual foi reitor.

Ao ingressar na UFABC, o estudante não escolhe um curso específico, mas, sim, entre dois bacharelados que abordam temas diversos e algumas especificidades da área desejada. Ao final de três anos, ele pode obter o diploma de Bacharel em Ciência e Tecnologia ou Bacharel em Ciências e Humanidades, estando apto a atuar no mercado. Mas, querendo direcionar-se a uma profissão específica, pode seguir mais um ou dois anos no curso de sua preferência (Engenharias, Ciência da Computação, Licenciatura em Física, etc.). Essa ideia, concretizada em 2005, tem hoje o reconhecimento do mercado e de diferentes rankings governamentais e privados, como o RUF, da Folha de São Paulo. O modelo também foi adotado, no mesmo ano, pela University of California, Merced, nos Estados Unidos.

“Vivemos uma onda de choque cultural. Tudo muda muito depressa. Isso nos obriga a surfar. Não adianta nadar. Na UFABC, alunos são preparados para propor soluções para diferentes problemas”, defende Bevilacqua sempre que é questionado sobre o formato diferenciado de graduação.

Esse docente, pesquisador e gestor da área científica e tecnológica, foi convidado pelo Setor de Interdisciplinaridade da Pró-Reitoria de Pesquisa, Inovação e Desenvolvimento (Propesq) a compartilhar sua visão de futuro das universidades na edição mais recente do Fórum de Interdisciplinaridade, ocorrido em 30 de setembro. No período que se estendeu até 2 de outubro, visitou os projetos contemplados com recursos da PUCRS, em 2015, pelo edital Programa de Apoio à Integração entre Áreas (Praias) e esteve na inauguração do Global Tecnopuc. Antes de encerrar sua primeira passagem pela Universidade, conversou com a equipe da Assessoria de Comunicação e Marketing, concedendo a seguinte entrevista.

 

O que é interdisciplinaridade e o que a diferencia de outros conceitos com nomes similares (multidisciplinaridade e transdisciplinaridade)?
São versões de uma mesma ideia. Mas prefiro abordar essa questão de forma mais prática. Vejo a interdisciplinaridade, que prefiro chamar atualmente de convergência disciplinar, como o resultado da impossibilidade de certas áreas do conhecimento avançarem exclusivamente com as ferramentas que têm. Ela acontece porque é uma exigência do avanço do conhecimento. Penso que as elaborações muito teóricas entre inter-multi-transdisciplinaridade mais atrapalham do que ajudam. Isso deve ser visto de forma mais livre, em vez de se colocar pessoas em “caixinhas”.

A interdisciplinaridade é importante para que se atinja a excelência acadêmica? Por quê?
A excelência acadêmica não é exclusiva da interdisciplinaridade. Existem pessoas que continuam nas suas “caixinhas” e são muito bem-sucedidas, temos que reconhecer. A excelência pode ser encontrada em qualquer lugar. O que defendo e tenho observado é que o maior número de resultados de sucesso de excelência em pesquisa tem acontecido em áreas interdisciplinares. O avanço global do conhecimento, principalmente nas áreas de física, química, medicina, engenharia e ciências humanas exige que aja esse auxílio mútuo, essa convergência. É muito mais uma questão de necessidade do que uma receita. É falso, por exemplo, apenas unir pessoas de diferentes áreas para serem interdisciplinares.

Como foi construído o projeto interdisciplinar que guiou a criação e mantém a identidade da UFABC?
Na década de 1990, reuniu-se um grupo na UFRJ com o objetivo de se criar um bacharelado em Ciências da Natureza, com elementos de engenharia, bioquímica, biofísica e outros. Passaram-se três reitores e nenhum conseguiu dar apoio, por resistência do Conselho Universitário. Nós desistimos. Em 2004, o professor Nelson Maculan Filho, que havia sido reitor da UFRJ e acompanhado o nosso trabalho, foi para a Secretaria de Ensino Superior do MEC. Houve, oportunamente, a criação de lei que originou a UFABC, projeto engavetado há 20 anos. Então, o professor Maculan chamou-me e disse que teria início uma universidade, e as ideias novas poderiam ser implantadas. Foi reunido um grupo de pessoas e aAcademia Brasileira de Ciências fez um documento, do qual participei, com ideias e sugestões para uma nova universidade. Surgiu a oportunidade de implantar aquilo que estava teoricamente desenhado.

Houve muita resistência no início, tanto da imprensa local quanto estadual, diretores de cursos pré-vestibular, todos com críticas devido àquela ser uma proposta sem precedentes no Brasil. Abrimos concursos para professores, que se integraram ao projeto. Houve também uma evasão muito forte de estudantes no princípio, mas os que ficaram sustentaram o modelo. Atualmente, existem vários indicadores revelando que a universidade está num bom caminho. A instituição está bem posicionada em rankings, tem estudantes ganhando prêmios e, inclusive, serve de inspiração para outras soluções em universidades brasileiras públicas e privadas.

É correto dizer que a UFABC forma profissionais com perfil empreendedor?
Essa é a intensão. Não é possível dizer que todos terão esse perfil, pois depende de cada um. Às vezes, quando se fala em empreendedorismo no Brasil, significa as pessoas terem um tipo de atividade que conduza ao sucesso financeiro. Nossa ideia é que os profissionais tenham sucesso naquilo que eles querem fazer. Não desistam do seu sonho.  Esse é o nosso empreendedorismo. Se você tem um sonho, persiga-o.

Como é possível implantar a cultura interdisciplinar, aos moldes da UFABC, em Universidades com estruturas constituídas há décadas?
Não é possível. Não só aqui como em qualquer outro lugar do mundo. Nos Estados Unidos, país onde há grande liberdade no desenho de currículos universitários, existe apenas uma instituição, criada no mesmo ano da UFABC, que se chama University of California, Merced. Ela é igual à UFABC. Tem apenas centros, sem departamentos, e é a única que conheço com a mesma proposta. Muitos têm a ideia, mas difícil é implantá-la. Por outro lado, as universidades sabem que esse é o caminho. Por isso, criam centros nos quais professores de toda a instituição convergem para desenvolver projetos conjuntos com estudantes de graduação e de pós-graduação, principalmente. O problema é que a graduação ainda sofre muito. Ela continua igual ao que se ensinava há 40 anos. O currículo ainda não absorveu essa nova perspectiva.

Como os órgãos de fomento à pesquisa estão preparados (se estão) para lidar com a questão da interdisciplinaridade na produção e divulgação científica?
Estão mal preparados. A Capes está um pouco melhor. Apesar das críticas em relação ao sistemaQualis, de classificação de revistas, a Capes há 15 anos tem um comitê multidisciplinar, dando abertura ao tema. O CNPq ainda está muito bloqueado. Não tem nenhum comitê em relação à área interdisciplinar.

Uma provocação: não se estaria fragilizando áreas do saber ao se formar vários generalistas nesse movimento de interdisciplinaridade nas universidades?
Não se pode negar hoje que os “poços disciplinares”, como chamo, a física, química, a engenharia, quando tratada de forma separada, entre outros, permitiram um grande avanço científico. Porém, todos chegaram a um limite. Agora, só podemos andar se nos juntarmos. Por isso, não tenho esse temor. Também penso que pessoas com ideias bem estabelecidas podem trabalhar em pontos específicos. Matemática e algumas áreas da química e da física são exemplos disso. Agora, o que é inegável, é que a convergência de disciplinas é hoje muito mais demandante, pois está acontecendo em todo o mundo. O que é muito ruim é tomar a interdisciplinaridade como tema de pesquisa. “Vou ser interdisciplinar”. Não é isso. É algo que acontece naturalmente. Fechar os olhos para esse tipo de atividade científica que existe hoje é suicídio.

Com base em sua passagem pela PUCRS, como o senhor avalia a caminhada da Universidade em direção à cultura interdisciplinar?
Gostei muito dos projetos que vi (Edital Praias). Alguns são excepcionais, com gente muito boa, ideias originais e irão contribuir para o avanço do conhecimento. O futuro Prédio da Interdisciplinaridade também é um caminho muito bom. Que se promova um lugar no qual as pessoas tenham liberdade de se encontrar, para que projetos interdisciplinares possam florescer. Esse é o caminho.